9 de julho de 2017

EDGAR MORIN O ANTROPÓLOGO E FILÓSOFO DA EDUCAÇÃO, CULTURA E ARTES.


 
Edgar Morin - Antropólogo e filósofo.

 

 
 
A Antropologia fundamental de Edgar Morin considera o homem como ser biológico e cultural que reorganiza o ecossistema que o rodeia, produz saberes, acumula experiências, desilusões, utopias, afetividades.  Esses amplos pressupostos são sistematizados a partir dos anos 1960 com as análises Da morte, magia, cinema, comunicação.  Os seis volumes de O MÉTODO, escritos entre 1977-2004 – A NATUREZA DA NATUREZA, A VIDA DA VIDA, O CONHECIMENTO DO CONHECIMENTO, AS IDEIAS, A HUMANIDADE DA HUMANIDADE, ÉTICA – constituem um projeto inacabado a ser interpretado, criticado, ampliado, até mesmo reescrito, como ele próprio sugere em A VIA PARA O FUTURO DA HUMANIDADE, ensaio de 2011.

 
 
A prática da conectividade, da convivialidade, da Transversalidade requer a abertura da razão, a reforma do pensamento, a expansão da criatividade, a extinção do medo do erro, a explicitação da revolta.  Assumir esse desafio implica a rejeição de qualquer tipo de certeza sobre o futuro do mundo.  O destino do sapiens-demens é obra aberta, rio majestoso, sereno e tempestuoso, ele reitera.  A reorganização e a religação dos saberes são sempre biodegradáveis,  jamais se convertem em doutrinas fechadas.  Há algo, porém, que o distingue dos demais pensadores, expresso na intimidade de diários e ensaios sobre o contemporâneo, a reforma da educação, o mal-estar na civilização.
 
Intelectuais não costumam falar de si, adoram falar dos outros.  Escondem-se sob a suposta autoridade de conceitos, teorias, métodos.  Diários, cartas, rascunhos costuma ser disponibilizados após a morte.  Geralmente escritos nos intervalos de viagens, congressos, exílios, esses escritos confessionais desnudam a alma, expõem a fragilidade que caracteriza nossa condição.
 
Alertas de Edgar Morin são sempre incisivos nesses sombrios tempos de barbárie e de estados de exceção com os quais nos defrontamos.  Os desafios do século XXI exigem a construção de uma cidadania mundial, uma política de civilização para a Terra-pátria, texto de 1993.
 
A universalidade de valores cosmopolitas nunca é obtida pela soma ou subtração de interesses particulares, mas pela multiplicação de pulsões desejantes, guiadas pelas quatro modalidades da consciência: antropológica, telúrica, ecológica, cosmológica.  Não apenas a ciência pode dar conta deles, mas as artes, as literaturas e as espiritualidades em geral.

 
Precisamos, porém, de muita paciência e revolta, para bater de frente nos poderes instituídos.  A reforma da educação exige pensadores empenhados na construção de uma ética de valores universais que contradiga relativismos e particularismos esclerosados.  Ensinar a viver, célebre expressão de Rousseau, se converte em palavra de ordem a ser reativada e recriada na sociedade como um todo.

 
A tarefa não se esgota por aí. É preciso caminhar por cidades sitiadas, universidades sucateadas, sexualidades recalcadas, intolerâncias raivosas, corrupções generalizadas, para que os dilemas sociais se mostrem como verdadeiramente são, mesmo que essa missão seja penosa, custosa, por vezes desestimulante.
 
 
A presença de Edgar Morin no Brasil exibe a força de suas ideias e utopias, mesmo que a Universidade não lhes preste a devida atenção.  Homenagens, títulos de honoris-causa, são expressão do reconhecimento da obra e do homem.  A leitura atenta de seus escritos e entrevistas permitiria entender muitos dos dilemas brasileiros atuais.
 
Três homenagens recentes marcam minha vida: a primeira, por ocasião de seus 80 anos, no plenário da UNESCO, em Paris, em julho de 2001.  Em minha intervenção, destaquei a ressonância de suas obras nesses tristes tópicos, a expansão de núcleos de estudos voltados à leitura de sua obra.
 
A segunda, também em Paris, em 2006, na Maison de I’Amérique Latine.  A celebração de seu aniversário transcorreu animada com mariachis que entoavam canções latino-americanas, pois tinha o apoio da Multiversidade do mundo real, inspirada nos fundamentos da complexidade.  Edgar estava feliz por nos ter por perto: seus amigos, seguidores e, também, críticos de sua obra.

 
A terceira foi na PUC de São Paulo, em novembro de 2008, no TUCA, ao receber o honoris causa.  Coube a mim saudá-lo  em nome de professores e alunos.  No teatro, palco de muitas resistências a poderes ditatoriais, reiterei a convicção de que a partir daquele momento a Universidade passara a apostar na universalidade da cultura e na unidade do humano.  Aos 87 anos, em seu agradecimento, confessou ser um eterno aprendiz, um caminhante sem caminho, um herdeiro da utopia.
 
 
 
 
 
 
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O filósofo francês Edgar Morin fala sobre um dos temas que o tornou uma influência mundial, a educação. Morin fala sobre a necessidade de estimular o questionamento das crianças, sobre reforma no ensino e sobre a importância da reflexão filosófica não tanto para que respostas sejam encontradas, mas para fomentar a investigação e a pluralidade de possíveis caminhos.



Leia abaixo:


 
O senhor costuma comparar o nosso planeta a uma nave espacial, em que a economia, a ciência, a tecnologia e a política seriam os motores, que atualmente estão danificados. Qual o papel da educação nessa espaçonave?


 
 
Ela teria a função de trazer a compreensão e fazer as ligações necessárias para esse sistema funcionar bem. Uso o verbo no condicional porque acho que ela ainda não desempenha esse papel. O problema é que nessa nave os relacionamentos são muito ruins. Desde o convívio entre pais e filhos, cheio de brigas, até as relações internacionais basta ver o número de guerras que temos. Por isso é preciso lutar para a melhoria dessas relações.
 
O que é preciso mudar no ensino para que o nosso planeta, ou a nave, entre em órbita?
 
Um dos principais objetivos da educação é ensinar valores. E esses são incorporados pela criança desde muito cedo. É preciso mostrar a ela como compreender a si mesma para que possa compreender os outros e a humanidade em geral. Os jovens têm de conhecer as particularidades do ser humano e o papel dele na era planetária que vivemos. Por isso a educação ainda não está fazendo sua parte. O sistema educacional não incorpora essas discussões e, pior, fragmenta a realidade, simplifica o complexo, separa o que é inseparável, ignora a multiplicidade e a diversidade.
As disciplinas como estão estruturadas só servem para isolar os objetos do seu meio e isolar partes de um todo. Eliminam a desordem e as contradições existentes, para dar uma falsa sensação de arrumação. A educação deveria romper com isso mostrando as correlações entre os saberes, a complexidade da vida e dos problemas que hoje existem. Caso contrário, será sempre ineficiente e insuficiente para os cidadãos do futuro.


 
Na prática, de que forma a compreensão e a condição humana podem estar presentes em um currículo?

 
Ora, as dúvidas que uma criança tem são praticamente as mesmas dos adultos e dos filósofos. Quem somos, de onde viemos e para que estamos aqui? Tentar responder a essas questões, com certeza, vai instigar a curiosidade dos pequenos e permitir que eles comecem a se localizar no seu espaço, na comunidade, no mundo e a perceber a correlação dos saberes.


 
Mas uma pergunta como “quem somos?” não é fácil de responder.

 
E não precisa ser respondida. É a investigação e a pluralidade de possíveis caminhos que tornam o assunto interessante. Podemos ir pelo social, somos indivíduos, pertencentes a determinadas famílias, que estão em certa sociedade, dentro de um mundo que tem passado, história. Todos temos um jeito de ser, um perfil psicológico que também dá outras informações sobre essa questão. Mas também somos seres feitos de células vivas, entramos na biologia, que são formadas por moléculas, temos então a química. Todas essas moléculas são constituídas por átomos que vieram de explosões estelares ocorridas há milhões de anos… E assim por diante. Sempre instigando a curiosidade e não a matando, como frequentemente faz a escola.

 
Como temas tão profundos podem ser tratados sem que a aula fique chata?


 
É só não deixar enjoativo o que é por natureza passional. Um jornal francês de literatura fez uma pesquisa entre os alunos e descobriu que até os 14 anos os jovens gostam de ler e leem muito. Quando vão para o liceu, leem menos. É verdade que eles começam a sair mais de casa e ter outros interesses, mas um dos principais motivos é que os professores tornam a literatura chata, decupando-a em partes pequenas e analisando minuciosamente o seu vocabulário, em vez de dar mais valor ao sentido do texto, à sua ação. Nada mais passional do que um romance, nada tão maravilhoso quanto a poesia! Nada retrata melhor a problemática humana do que as grandes obras literárias. Os saberes não devem assassinar a curiosidade. A educação deve ser um despertar para a filosofia, para a literatura, para a música, para as artes. É isso que preenche a vida. Esse é o seu verdadeiro papel.
 
 
A literatura e as artes deveriam ter mais destaque no ensino?

 
Sem dúvida. Elas poderiam se constituir em eixos transdisciplinares. Pegue-se Guerra e Paz, de Tolstoi, por exemplo. O professor de Literatura pode pedir a seu colega de História para ajudá-lo a situar a obra na história da Rússia. Pode solicitar a um psicólogo, da escola ou não, que converse com a classe sobre as características psicológicas dos personagens e as relações entre eles; a um sociólogo que ajude na compreensão da organização social da época. Toda grande obra de literatura tem a sua dimensão histórica, psicológica, social, filosófica e cada um desses aspectos traz esclarecimentos e informações importantes para o estudante. Todo país tem suas grandes obras e certamente também os clássicos universais servem para esse fim.

 
O professor deve buscar sempre o trabalho interdisciplinar?

 
Ele deve ter consciência da importância de sua disciplina, mas precisa perceber também que, com a iluminação de outros olhares, vai ficar muito mais interessante. O professor pode procurar ter essa cultura menos especializada, enquanto não existir uma mudança na formação e na organização dos saberes. O professor de Literatura precisa conhecer um pouco de história e de psicologia, assim como o de Matemática e o de Física necessitam de uma formação literária. Hoje existe um abismo entre as humanidades e as ciências, o que é grave para as duas. Somente uma comunicação entre elas vai propiciar o nascimento de uma nova cultura, e essa, sim, deverá perpassar a formação de todos os profissionais.

 
Como o professor vai aprender a trabalhar de forma conjunta?

 
Ele vai se autoformar quando começar a escutar os alunos, que são os porta-vozes de nossa época. Se há desinteresse da classe, ele precisa saber o porquê. É dessa postura de diálogo que as novas necessidades de ensino vão surgir. Ao professor cabe atendê-las.

 
Como acontece uma grande reforma educacional?

 
Nenhuma mudança é feita de uma só vez. Não adianta um ministro querer revolucionar a escola se os espíritos não estiverem preparados. A reforma vai começar por uma minoria que sente necessidade de mudar. É preciso começar por experiências pilotos, em uma sala de aula, uma escola ou uma universidade em que novas técnicas e metodologias sejam utilizadas e onde os saberes necessários para uma educação do futuro componham o currículo. Teríamos, desde o começo da escolarização, temas como a compreensão humana; a época planetária, em que se buscaria entender o nosso tempo, nossos dilemas e nossos desafios; o estudo da condição humana em seus aspectos biológicos, físicos, culturais, sociais e psíquicos. Dessa forma começaríamos a progredir e finalmente a mudar.

 
Como tratar temas tão profundos como o estudo da condição humana nos diversos níveis de ensino?


 
Os professores polivalentes da escola primária são os ideais para tratar desses assuntos. Por não serem especialistas, têm uma visão mais ampla dos saberes. Eles podem partir da problemática do estudante e fazer um programa de ensino cheio de questões que partissem do ser humano. O polivalente pode mostrar aos pequenos como se produz a cultura da televisão e do videogame na qual eles estão imersos desde muito cedo. Já a escola que trabalha com os jovens deve dedicar-se à aprendizagem do diálogo entre as culturas humanísticas e científicas. É o momento ideal para o aluno conhecer a história de sua nação, situar-se no futuro de seu continente e da humanidade. Às universidades caberia a reforma do pensamento, para permitir o uso integral da inteligência.


 
 
 
Edgar Morin
 
 
Fonte:
Primeiro Texto: Por: Edgar de Assis Carvalho/Consultor do Núcleo de Estudos da Complexidade, Titular de Antropologia PUC/SP em 2 de julho de 2016.
 
Segundo texto: Revista Nova Escola | Fronteiras do Pensamento.
 
 

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