Não
me leve a mal. Hoje é Carnaval...
Por Izabel Telles
Por Izabel Telles
Éramos bem jovens e dançávamos o
Carnaval no salão de festas da nossa cidade do interior. No palco, uma animada
orquestra tocava as músicas que falavam de risos, alegrias, palhaços,
colombinas e pierrôs apaixonados.
O lança-perfume era liberado para os foliões e
ainda tenho gravada a cena dos rapazes cheirando lenços empapados pelo
anestésico.
Os pais ficavam sentados nas mesas
esticando o pescoço para controlar as filhas. Os meninos "não precisavam
de controle" e rodopiavam ao redor das garotas mais bonitas deixando as
mais feias por conta do destino. Deve ser por isso que inventaram os bailes de
máscaras para que as meninas mais feias não ficassem a ver navios, como era o
meu caso.
Era um tempo inocente. Um tempo de romance,
frio na barriga, telefones fixos que tocavam na hora do jantar e todas saíam
correndo da mesa para atender rezando para que do outro lado da linha estivesse
o seresteiro da noite anterior. É, havia serenatas onde homens apaixonados
tocavam violão para suas pretendentes debaixo da janela…
As mulheres eram preparadas para o
casamento. Sabiam cozinhar comidinhas deliciosas para antes ou depois do amor
(como dizia Vinicius de Moraes). E, mesmo depois de fazer faculdade, de sair
para o mercado de trabalho e serem bem sucedidas nesta tarefa, continuavam
sabendo cozinhar, nem que fosse só no final de semana.
Depois vinham os filhos, as
promoções nos empregos, a mudança de casa, de cidade, de país até. E as
mulheres continuavam sabendo cozinhar.
Era raro a gente ouvir dizer que uma
mulher tinha feito plástica. Entravam no hospital para emergências médicas ou
para ter filhos. Tomar anestesia era um recurso extremo.
A gente sabia que o que cativava
mesmo o sexo oposto era aquela beleza natural, um pouco de barriguinha, cabelos
soltos sem chapinhas, formol, apliques, alongamentos artificiais. E, acima de
tudo, era bom ter sempre por perto uma refeição deliciosa, preparada com amor e
afeto. Havia um ditado que dizia “homens, a gente agarra pelo estômago”!
A mulher modelo da brasileira era a Sonia
Braga nos seus 18 anos: morena, bem feita de corpo, natural, cheirando à água
do mar, emanando pétalas de rosas pelo sorriso branco de flor de laranjeira! A
morena eternizada, por Jorge Amado: cravo e canela, Gabriela!
Antes de começar a imitar a mulher americana,
a mulher brasileira tinha cara e corpo próprios. Seios não se compravam na
farmácia e bumbum era feito de músculos e não de plástico.
A alegria vinha do fundo da alma,
herança dos índios, dos negros, da mamãe África. Éramos felizes todos os dias
do ano! A gente não comprava a felicidade em cartelas e com prazo de validade.
Êxtase era um sentimento que a gente
nutria por nove meses e explodia quando o médico acolhia um novo filho chegando
a este mundo!
Claro que havia a droga circulando
por todo o planeta. O que não havia era a abertura que hoje há para se falar
dela. Talvez por isso este assunto estivesse tão distante de nós.
Os tabus eram tantos que, recordo-me com
precisão, quando alguém tinha câncer na família esta palavra não era
pronunciada. A pessoa estava com CA.
Acredite se quiser, mas os procedimentos
terapêuticos de um psiquiatra eram tão pouco conhecidos que havia um olhar de
susto e medo quando alguém deixava escapar o segredo: um adolescente do bairro
estava frequentando um psiquiatra... mas em outra cidade! É, a gente caminhou
muito, muito mesmo!
Mas, lá no fundo, no fundo, sinto certa
saudade dos tempos inocentes. Havia um mistério por vir, um desafio a ser
compreendido, uma profunda esperança no futuro que adentrava um pouco a cada
dia.
No silêncio da formalidade, na
calada da noite, no intervalo entre um acorde e outro, pulsava uma curiosidade
que nos impulsionava para o conhecimento.
Ele vinha impresso em livros, era
passado através de apostilas, traduções, horas de conversas e atenção nas salas
de aula. Que eram limpas, tinham cortinas brancas, carteiras envernizadas,
professores excepcionais, capazes de motivar toda a turma, hábeis na magia de
revelar o novo. Para os quais a gente levava todas as manhãs uma maçã vermelha.
E dos quais recebíamos, ao longo de um largo tempo, um canudo azul.
Parece que me lembro de que, nesta
ocasião, a gente usava uma fantasia. Acho que era uma beca e uma toga. A gente ia
a bloco desfilar com este canudo depois de recebê-lo. Só não consigo me lembrar
de quem confeccionava estas fantasias…
Mas sou antiga e minha memória não
anda boa.
Por favor, não me leve a mal. Hoje é carnaval
Izabel
Telles é terapeuta holística e sensitiva formada pelo American Institute for
Mental Imagery de Nova Iorque. Tem três livros publicados: "O outro lado
da alma", pela Axis Mundi, "Feche os olhos e veja" e "O
livro das transformações" pela Editora Agora.
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