No dia 25 de março, o calendário cristão nos
convidou a reviver um instante singular, um ponto de inflexão na trajetória da humanidade:
a Anunciação. É o momento solene em que o Arcanjo Gabriel, mensageiro divino,
irrompe na singela vida da Virgem Maria com palavras que carregam o peso da
eternidade:
"Não temas, Maria, pois encontraste graça
diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome
de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo; o Senhor Deus lhe
dará o trono de seu pai Davi e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu
reino não terá fim.” (Lc 1,30-33)
Diante de tal anúncio, o coração de Maria poderia
ter vacilado. A magnitude da missão, a ousadia do plano divino, poderiam ter
gerado dúvidas e receios. Contudo, seu espírito, profundamente enraizado na fé
e na confiança em Deus, não hesitou. Sua entrega foi total, um eco de humildade
e coragem que reverberaria pelos séculos:
"Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim
segundo a tua palavra!" (Lc 1,38)
A Anunciação do Senhor ressoa em nossos corações,
lembrando-nos de três grandes "sins" que moldaram a nossa salvação:
Primeiramente, o Sim de Deus, um ato de amor
incondicional que o impeliu a descer ao nosso encontro, a romper a distância
entre o divino e o humano. Como o próprio Jesus expressou: “O meu alimento é
fazer a vontade daquele que me enviou e realizar plenamente sua obra.” (Jo
4,34) Sua vinda ao mundo, a Encarnação, é a prova máxima desse "sim"
eterno.
Em segundo lugar, o Sim de Maria, a porta pela qual
a salvação adentrou a história. Sua aceitação da vontade do Pai, seu
"faça-se", permitiu que o Verbo Divino se fizesse carne e habitasse
entre nós, cumprindo a promessa de redenção. Como bem resume a fé cristã: “E o
Verbo Divino se fez carne. E habitou entre nós.”
Por fim, a Anunciação nos interpela sobre o nosso
Sim. Deus, que nos criou livres, espera também a nossa resposta de amor e
entrega. Santo Agostinho, com sua profunda sabedoria, nos lembra: “Aquele que
te criou sem ti, não te salvará sem ti.” Nossa colaboração, nosso
"sim" cotidiano, é essencial para acolher a graça divina em nossas
vidas.
A Encarnação, portanto, foi um gesto de humildade
sem precedentes do próprio Deus, que se despojou de sua glória para se fazer
homem e caminhar ao nosso lado. E Maria, com sua fé inabalável e seu
"sim" incondicional, não apenas se tornou a Mãe de Deus, mas também
um modelo inspirador de fé e entrega para todos nós.
Neste tempo presente, somos convidados a refletir:
como podemos dizer nosso "sim" a Deus hoje? De que maneiras podemos
abrir nossos corações à Sua graça, a exemplo da Virgem Maria? Que ecos do
"sim" divino e do "sim" de Maria podemos fazer ressoar em
nossas próprias vidas? A resposta reside em nossa disposição em acolher a
vontade de Deus com humildade, coragem e um coração inteiramente voltado para
Ele.
A IMAGEM RETRATA A CENA BÍBLICA DA ANUNCIAÇÃO, ONDE
O ANJO GABRIEL VISITA A VIRGEM MARIA para anunciar que ela conceberá e dará à
luz Jesus.
A pintura A Anunciação do artista francês Ary
Scheffer, datada de 1850.
A imagem captura o momento crucial em que a
mensagem divina é entregue a Maria, um evento central na fé cristã. A postura e
a expressão dos personagens, juntamente com os símbolos e a luz, visam
transmitir a importância, a solenidade e a natureza sagrada da Anunciação. A
composição geralmente busca um equilíbrio entre o divino (representado por
Gabriel e a luz) e o humano (Maria e o ambiente terreno).
Anjo Gabriel. Ele é mostrado à direita, ajoelhado
ou em movimento em direção a Maria. Ele veste uma túnica verde clara e tem
grandes asas brancas. Em sua mão, ele segura um lírio branco, frequentemente
associado à pureza e à Virgem Maria. Uma auréola dourada circunda sua cabeça,
indicando sua natureza celestial. Seu braço direito está erguido em um gesto de
saudação ou bênção.
Virgem Maria. Ela está à esquerda, sentada ou
ajoelhada em um ambiente que parece ser um interior, talvez sua casa. Ela veste
uma túnica rosa e um manto azul, cores tradicionalmente associadas a Maria. Uma
auréola dourada também adorna sua cabeça. Sua expressão é de humildade e talvez
um pouco de surpresa ou contemplação, com as mãos juntas sobre o peito.
A cena se passa em um espaço interior, sugerido
pela arquitetura ao fundo com colunas e cortinas escuras. Uma mesa pequena com
um tecido branco e algo que parece ser uma cesta de costura está entre os dois
personagens.
Uma luz divina, geralmente representando o Espírito
Santo, irradia do céu, banhando a cena. Raios de luz dourada descem,
frequentemente direcionados a Maria, simbolizando a concepção divina. Nuvens
brancas e luminosas cercam a fonte de luz. Além do lírio, outros elementos
podem ter significado simbólico dentro da tradição cristã, como as cores das
vestes e a própria luz.
© Alberto Araújo
Ary Scheffer nasceu em Dordrecht, 10 de fevereiro de 1795 e
faleceu em Argenteuil, 15 de junho de 1858 foi um pintor francês de ascendência
neerlandesa e do movimento do Romantismo. Era irmão do também pintor Henry
Scheffer. As suas obras denotam inspiração mística e onírica. Foi aluno de
Pierre-Narcisse Guérin e professor de Auguste Bartholdi, Claudius Popelin,
Jean-Baptiste-Ange Tissier, German von Bohn e Thomas de Barbarin, entre outros.