2 de novembro de 2015

ENCANTAMENTO DAS MIL E UMA NOITES LIBANESAS POR MATILDE CARONE SLAIBI CONTI.


ENCANTAMENTO
Das  Mil e Uma Noites libanesas





 
               Era tempo de inverno naquele mundo longínquo  e   tão misterioso.
               O dia rapidamente se esvaia, com a noite chegando em rápido caminhar.
               O palácio do Sultão depois da azáfama diária  procurava se aquietar. O Grão Vizir já havia se retirado levando consigo  as ordens recebidas que seriam cumpridas no raiar de um novo dia. Os eunucos e as odaliscas depois de tanto afã, já estavam em seu aposentos  e somente os escravos ainda trabalhavam, mas já se podia sentir o silêncio que ia chegando bem devagarzinho.
                Naquele lusco fusco que se instalava,  a princesa Scherazade com seu olhar penetrante, a tudo observava.  Contudo, estava apressada e o som dos muezim estrondando do alto dos minaretes  faziam-na a lembrar a cada instante de suas obrigações.
              Caminhava assim rapidamente em direção aos aposentos reais. Acendeu as velas, conferiu a manta de seda sobre a cama com o baldaquim, apalpou as almofadas, observou as frutas colocadas sobre a bandeja de ouro, inclusive as tâmara adocicadas, os variados tipos de yogurtes e o vinho ali existente, verdadeiro néctar dos deuses tudo  para seu amo e senhor. Correndo o olhar pelo ambiente, resolve cerrar mais um pouco as grossas cortinas de veludo carmim, que mesmo sendo pesadas, ainda deixavam passar o vento frio, que como um chicote, açoitava a noite  fazendo rodopiar a fina areia  vindo do grande deserto escaldante, desde tempo imemoriais. Num relance do olhar, vê as dunas que são imensas ondas amarelas e alaranjadas sob um céu de aquarela. O sol é uma imensa bola laranja mergulhando atrás dessas dunas. Cuidando dos camelos, já sob as estrelas que começam a brilhar, beduínos que se ajoelham lado a lado, pressionando a testa na areia morna, dado graças a Allah, que lhes permitiu sobreviver mais um dia em um ambiente tão hostil. Estes homens possuem um código de moral puro nascido da necessidade de sobrevivência num dos climas mais rigorosos do planeta. Acreditam que tudo o que há de melhor nos árabes veio do deserto.
 
 
          Nesse momento ela passa a entender o laço profundo que une a fé e a paisagem, tudo etéreo como um manto de fumaça...
          Scherazade se prepara para a  espera, a qual podia ser muito longa.Resolve sentar ao rés do chão, entrecruzando as sua pernas jovens, morenas e roliças, apesar das variadas almofadas que ali existiam. Ajeita um pouco mais o véu sobre a sua cabeça e se põe a rezar, elevando  as mãos aos céus em contínuo agradecimento. A cada movimento, as pulseiras de ouro parecem tremular sob a luz mortiça do ambiente. A história de cada pulseira é para ela inesquecível, pois corresponde a um presente dado, por cada noite de amor. E muitas noites já aconteceram.
            Então ela ergue os olhos e rezando baixinho se dirige a Allah: "Não há outro Deus, a não ser Allah e Maomé é seu único profeta." A oração, verdadeiro mantra é contínua, até que ela começa a escutar passos que se aproximam. Os  passos que ecoam são  de um homem ainda jovem, passos apressados, rápidos, e então , ela se levanta e com graça, sorri languidamente e se inclina para o  seu  senhor, o todo poderoso Sultão Ali El Rachid, o grande dominador do inimaginável Império Turco Otomano.
              Tudo ia acontecer, como sempre vinha acontecendo. Ela sabia e gostava.
                Tudo vai se repetir... e ela com o coração tomado de emoção, enlevada, se deixa  levar para o mundo dos sonhos e do êxtase, em um mundo cor de rosa e lilás com cheiro de flores e sabor de almíscar.
               Assim outra noite... Outra vez mais... ela  cumpria o seu destino como a favorita do sultão e como mandava o costume e a tradição.
               Depois... muito tempo depois, ela se prepara para contar uma história com muitas façanhas, guerras e heróis lendários.
 
 
               “Era uma vez, uma terra de muito mel e leite abundante, terra onde os deuses moraram mas também terras dos homens, onde a tradição se fazia milenar. Este lugar é o Líbano,  Líbano eterno, país dos cedros, país do acolhimento. Esta é a terra do perdão e da indulgência, terra de asilo e de refúgio, encruzilhada do Oriente e do Ocidente.    
                De um terra onde havia um oásis , com uma fronteira desértica, vê-se uma estrada que serpenteia através das gargantas rochosas das montanhas do Monte Líbano, até um arejado platô de muitos metros acima do nível do mar.  Lá, por um momento, a estrada parece ficar suspensa entre dos mundos.      Atrás estão as encostas orientais, ásperas secas e a abóboda severa e implacável do céu do deserto. A frente, estão as tentações de uma espécie de paraíso, sedutor, onde a estrada se precipita em direção ao Mediterrâneo que está lá muito abaixo, parecendo  acenar e chamar através de sua tênue cerração.
                O povo que ali habita carrega no sangue uma herança cultural e  racional. Nesta terra viveram os Fenícios  e os múltiplos caminhos de sua expansão.Não devemos ir muito distante procurando a origem dos Fenícios, pois eles são autoctonos,  são do Líbano mesmo.  Toda a eternidade, eles sempre viveram lá. Sua idade é a idade do universo, onde nasceram com a própria terra... Foram membros de uma civilização audaciosa e cheia de recursos que velejou e comerciou pelo antigo Mediterrâneo. Também fundaram escolas, que se tornaram famosas, onde ensinavam principalmente astronomia, matemática, navegação e leis, como construíram magníficos palácios e templos. E não é possível  que se fossem nômades, vindos do deserto, chegassem tão rapidamente a serem construtores de cidades. Essa articulação que mais tarde veio a se formar  entre dois mundos, essa plataforma giratória é o fruto de um destino excepcional. Foi necessária a mão mágica da história, que misturou  em cinquenta séculos, os homens e as ideias.
                  Uma de suas principais conquistas foi o chamado asilo, como também o poder de receber como refugiados aqueles que fugiam das perseguições.
                  Essa é a lenda da história dos Fenícios e uma lenda é a história que foi esquecida, mas que precisa ser relembrada.
                  Sua cidade mais importante foi Tiro, por volta de 500a.C., e que era rodeada de muralha com grandes torres, cujo rico solo era irrigado pela fecundas fontes vindas das montanhas libanesas. Esta foi a época em que os navios fenícios sulcavam os mares para fundar colônias permanentes chegando também até a África, onde fundaram a cidade de Cartago.
                  Os dias e as estações  dessa terra verdadeiramente encantada enchem  a todos de alegria.
                  Na primavera há o perfume de  flores e os frutos que nascem aos borbotões: nêsperas da  cor do âmbar amarelado e os laranjais em flor, com morangos ruborizados e damascos cobertos por finas penugens., lembrando asa de anjinhos a voltear na imensidão do espaço.
                   No verão as melancias se abrem como caixinha de surpresas e os melões mais parecem um cofre de joias  e as  suas romãs como pérolas  a enfeitar.
                   Seu outono tem os poentes mais belos e coloridos, com suas longas palmeiras, verdadeiro ninho dos pássaros que sabem cantar. E o mirto, a azeitona verde e a preta são donativos belos demais.
                   Para o inverno, há nos cumes das montanhas a neve que se faz eterna como o Cedro do Líbano que se faz milenar com seus frondosos galhos dando sombra e guarida para todos que ali estão.
                   Desta terra, quando as vozes do passado despertam,  elas não se calam mais.”

 
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                    Scherazade agora observa que o poderoso sultão está a dormir, placidamente, esquecido das guerras , das lutas dos cristãos e até mesmo dos próprios mouros. No sonho, ele só vê a sua bandeira desfraldada e  o seu imenso Império crescendo, esperando que seja para sempre eterno.
                    Scherazade cautelosamente se aproxima e meigamente acaricia seus bastos cabelos negros,  ainda não orvalhado pela passagem dos anos.                                  
                    Então agora, ela, também se prepara para descansar e reza  ardorosamente  pedindo que  Allah a proteja por todas as noites vindouras e com muitas outras histórias mais,  que possam agradar e enfeitiçar o seu sultão.
                    Uma brisa amena penetra nos aposentos bebendo o orvalho da manhã serena que vai logo se aproximando.
                    De outros tempos, de outras eras, das  histórias de Scherazade e as suas Mil e Uma Noites, para todo o sempre, lá na antiga cidade mítica e  encantada muito além dos caminhos de Bagdá...
                   Assim estava escrito nas estrelas!
 



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Um pouco sobre a autora
 
 
Matilde Carone Slaibi Conti é professora da Faculdade de Direito da Universidade Salgado de Oliveira (UNIVERSO - Niterói-RJ), Professora do Departamento de Monografias do Curso de Graduação da Universidade Salgado de Oliveira, Artista plástica, Presidente do Cenáculo Fluminense de História e Letras, membro da Academia Niteroiense de Letras, vice-presidente do IHGN e membro de diversas entidades pelo Brasil. A Câmara Municipal de Niterói no dia 23 de outubro, concedeu-lhe o Título de Cidadã Niteroiense.
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COMENTÁRIOS
 
 
 
 
Sim Matilde!O Líbano encantado, misterioso,sofrido,valente e sempre marchando com a crença das mil e uma noites de glória.Parabéns por tão belo dizer.Sinto orgulho de ser descendente direta por parte de mãe.O mesmo orgulho via nos olhos e voz de meu primo irmão Dr.Edgard Stephá Venâncio quando falava de nossa família, e do nosso tio Fharid Sthephano que pelo mundo dava palestras e que o escritor Umberto de Campos o citou em seu livro "Sepultando seus Mortos".
Felicidades.
Angela Gemesio.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Ângela Gemesio,
atriz, escritora e acadêmica.
 
 
 
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Um comentário:

Matildecarone Slaibi Conti disse...

Ângela
fiquei extremamente emocionada com o seu comentário e também com o elogio ao Líbano, terra essa conhecida desde priscas eras, pela abundância do leite e do mel,e onde os antigos Fenícios viviam. Grande abraço acadêmico.