29 de junho de 2025

DO ALTO DA JANELA, O MAR EM PROCISSÃO CRÔNICA POÉTICA POR ALBERTO ARAÚJO


Domingo, 29 de junho, e o céu parecia ter sido lavado com sal grosso e prece. Em Icaraí, a manhã nasceu com cheiro de mar antigo — desses que guardam segredos de pescadores e bênçãos em forma de espuma. Eu e Shirley, lado a lado na varanda, olhávamos para o infinito, como se ali, no contorno da Baía, Deus também estivesse de olhos postos. 

Lá vinham eles. 

Primeiro, uma silhueta tímida ao longe. Depois, um cortejo de barcos engalanados que parecia dançar sobre as águas, vestindo cores, bandeirolas, flores e fervores. O povo do mar reverenciando seu santo. Uma armada de fé, conduzindo a imagem de São Pedro — não apenas o apóstolo, mas o guardião das redes, das marés e dos corações que dependem da pesca e da esperança.

De nossa janela, Jurujuba se desdobrava em festa. Era possível ouvir o som dos sinos se misturando ao das ondas, o murmúrio das orações ecoando como brisa, e os motores das embarcações soando como tambores de um cortejo sagrado. Havia algo de milagre naquele quadro vivo, como se a cidade inteira estivesse em comunhão com o mar. 

Segurei Shirley pela mão, como quem segura uma promessa. E, no silêncio cúmplice entre nós, senti que aquela procissão também era nossa — um gesto de gratidão à vida, à travessia, ao amor que vigia mesmo de longe, como São Pedro vigia seus filhos do cais. 

Enquanto os barcos cruzavam a baía, levavam consigo os pedidos, os nomes sussurrados, as dores escondidas nas redes. E também levavam luz, porque, quando a fé navega, ela ilumina até os olhos mais cansados. 

No fim da manhã, às 11h30min, os barcos sumiram no horizonte. Mas algo ficou. Uma paz profunda — como quem viu Deus passar em procissão marítima e acenou de uma janela aberta sobre o coração.

 

© Alberto Araújo

29 de junho de 2025



Slides com fotos da Procissão de São Pedro





 

Nenhum comentário: