24 de maio de 2023

“MATAR O SONHO É MATARMO-NOS. É MUTILAR A NOSSA ALMA. O SONHO É O QUE TEMOS DE REALMENTE NOSSO, DE IMPENETRAVELMENTE E INEXPUGNAVELMENTE NOSSO." – FERNANDO PESSOA.

 



 

DE RESTO EU NÃO SONHO, EU NÃO VIVO, SALVO A VIDA REAL.

Bernardo Soares

 

De resto eu não sonho, eu não vivo, salvo a vida real. Todas as naus são naus de sonho logo que esteja em nós o poder de (as) sonhar. O que mata o sonhador é não viver quando sonha; o que fere o agente [...] é não sonhar quando vive. Eu fundi numa cor una de felicidade a beleza do sonho e a realidade da vida. Por mais que possuamos um sonho nunca se possui um sonho tanto como se possui o lenço que se tem na algibeira, ou, se quisermos, como se possui a nossa própria carne.

 

Por mais que se viva a vida em plena [...] e triunfante ação, nunca desaparecem o (...) do contato com os outros, o tropeçar em obstáculos, ainda que mínimos, o sentir o tempo decorrer.

 

Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.

 

Universo, a Vida — seja isso real ou ilusão — é de todos, todos podem ver o que eu vejo, e possuir o que eu possuo — ou, pelo menos, pode conceber-se vendo-o e passando e isso é (...)

Mas o que eu sonho ninguém pode ver senão eu, ninguém a não ser eu possuir. E se do mundo exterior o meu vê-lo difere de como outros o veem, isso vem de que do sonho meu eu ponho em vê-lo sem querer, do que do sonho meu se cola a meus olhos e ouvidos.

 

_______________ Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.II. Fernando Pessoa.

 

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