Conheça o documento
que proclama o Ano Santo e as indicações do Papa Francisco para o Jubileu 2025
Segundo a tradição,
cada Jubileu é proclamado através da publicação de uma Bula Papal (ou Bula
Pontifícia) de Proclamação. Por “Bula” entende-se um documento oficial,
geralmente escrito em latim, com o selo do Papa, cuja forma dá o nome ao
documento.
A Bula de Indicação
do Jubileu, que indica as datas do início e do fim do Ano Santo, é geralmente
emitida no ano anterior, coincidindo com a Solenidade da Ascensão. Neste ano,
para o Jubileu de 2025, o documento foi publicado no dia 9 de maio de 2024.
A CARTA
“Spes non
confundit” (A esperança não confunde)” é o título da Bula de proclamação do
Jubileu Ordinário de 2025. Dividido em 25 pontos, o texto contém súplicas,
propostas, apelos em favor dos presos, dos doentes, dos idosos, dos pobres, dos
jovens, e anuncia as novidades de um Ano Santo que terá como tema “Peregrinos
da Esperança”.
1. «Spes non confundit – a esperança não engana» (Rm 5,
5). Sob o sinal da esperança, o apóstolo Paulo infunde coragem à comunidade
cristã de Roma. A esperança é também a mensagem central do próximo Jubileu,
que, segundo uma antiga tradição, o Papa proclama de vinte e cinco em vinte e
cinco anos. Penso em todos os peregrinos de esperança, que chegarão a Roma para
viver o Ano Santo e em quantos, não podendo vir à Cidade dos apóstolos Pedro e
Paulo, vão celebrá-lo nas Igrejas particulares. Possa ser, para todos, um
momento de encontro vivo e pessoal com o Senhor Jesus, «porta» de salvação (cf.
Jo 10, 7.9); com Ele, que a Igreja tem por missão anunciar sempre, em toda a
parte e a todos, como sendo a «nossa esperança» (1 Tm 1, 1).
Todos esperam. No coração de cada pessoa, encerra-se a
esperança como desejo e expetativa do bem, apesar de não saber o que trará
consigo o amanhã. Porém, esta imprevisibilidade do futuro faz surgir
sentimentos por vezes contrapostos: desde a confiança ao medo, da serenidade ao
desânimo, da certeza à dúvida. Muitas vezes encontramos pessoas desanimadas que
olham, com ceticismo e pessimismo, para o futuro como se nada lhes pudesse
proporcionar felicidade. Que o Jubileu seja, para todos, ocasião de reanimar a
esperança! A Palavra de Deus ajuda-nos a encontrar as razões para isso.
Deixemo-nos guiar pelo que o apóstolo Paulo escreve precisamente aos cristãos
de Roma.
Uma Palavra de esperança
2. «Uma vez que fomos justificados pela fé, estamos em
paz com Deus por Nosso Senhor Jesus Cristo. Por Ele tivemos acesso, na fé, a
esta graça na qual nos encontramos firmemente e nos gloriamos, na esperança da
glória de Deus (…). Ora a esperança não engana, porque o amor de Deus foi
derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5,
1-2.5). São Paulo oferece-nos aqui vários pontos de reflexão. Sabemos que a
Carta aos Romanos assinala uma passagem decisiva na sua atividade
evangelizadora. Até então, desenvolveu-a na zona oriental do Império; agora
espera-o Roma com tudo o que esta representa aos olhos do mundo: um grande
desafio, que há de enfrentar em nome do anúncio do Evangelho, que não conhece
barreiras nem fronteiras. A Igreja de Roma não foi fundada por Paulo, mas este
sente um vivo desejo de lá chegar logo que possível, para levar a todos o
Evangelho de Jesus Cristo, morto e ressuscitado, como anúncio da esperança que
realiza as promessas, introduz na glória e não desilude porque está fundada no
amor.
3. Com efeito, a esperança nasce do amor e funda-se no
amor que brota do Coração de Jesus trespassado na cruz: «Se de facto, quando
éramos inimigos de Deus, fomos reconciliados com Ele pela morte de seu Filho,
com muito mais razão, uma vez reconciliados, havemos de ser salvos pela sua
vida» (Rm 5, 10). E a sua vida manifesta-se na nossa vida de fé, que começa com
o Batismo, desenvolve-se na docilidade à graça de Deus e é por isso animada
pela esperança, sempre renovada e tornada inabalável pela ação do Espírito
Santo.
Na verdade, é o Espírito Santo, com a sua presença perene
no caminho da Igreja, que irradia nos crentes a luz da esperança: mantém-na
acesa como uma tocha que nunca se apaga, para dar apoio e vigor à nossa vida.
Com efeito a esperança cristã não engana nem desilude, porque está fundada na
certeza de que nada e ninguém poderá jamais separar-nos do amor divino: «Quem
poderá separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição,
a fome, a nudez, o perigo, a espada? (…) Mas em tudo isso saímos mais do que
vencedores graças Àquele que nos amou. Estou convencido de que nem a morte nem
a vida, nem os anjos nem os principados, nem o presente nem o futuro, nem as
potestades, nem a altura nem o abismo, nem qualquer outra criatura poderá
separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, Senhor nosso» ( Rm 8,
35.37-39). Por isso mesmo esta esperança não cede nas dificuldades: funda-se na
fé e é alimentada pela caridade, permitindo assim avançar na vida. A propósito
escreve Santo Agostinho: «Em qualquer modo de vida, não se pode passar sem
estas três propensões da alma: crer, esperar, amar». [1]
4. São Paulo é muito realista. Sabe que a vida é feita de
alegrias e sofrimentos, que o amor é posto à prova quando aumentam as
dificuldades e a esperança parece desmoronar-se diante do sofrimento. E, no
entanto, escreve: «Gloriamo-nos também das tribulações, sabendo que a
tribulação produz a paciência, a paciência a firmeza, e a firmeza a esperança»
(Rm 5, 3-4). Para o Apóstolo, a tribulação e o sofrimento são as condições
típicas de todos aqueles que anunciam o Evangelho em contextos de incompreensão
e perseguição (cf. 2 Cor 6, 3-10). Mas em tais situações, através da escuridão,
vislumbra-se uma luz: descobre-se que a evangelização é sustentada pela força
que brota da cruz e da ressurreição de Cristo. Isto faz crescer uma virtude,
que é parente próxima da esperança: a paciência. Habituamo-nos a querer tudo e
agora, num mundo onde a pressa se tornou uma constante. Já não há tempo para
nos encontrarmos e, com frequência, as próprias famílias sentem dificuldade
para se reunir e falar calmamente. A paciência foi posta em fuga pela pressa,
causando grave dano às pessoas; com efeito sobrevêm a intolerância, o
nervosismo e, por vezes, a violência gratuita, gerando insatisfação e
isolamento.
Além disso, na era da internet, onde o espaço e o tempo
são suplantados pelo «aqui e agora», a paciência deixou de ser de casa. Se
ainda fôssemos capazes de admirar a criação, poderíamos compreender como é
decisiva a paciência. Esperar a alternância das estações com os seus frutos;
observar a vida dos animais e os ciclos do respetivo desenvolvimento; ter os
olhos simples de São Francisco, que no seu Cântico das Criaturas, escrito
precisamente há 800 anos, sentia a criação como uma grande família, chamando «irmão»
ao sol e, à lua, «irmã». [2] Redescobrir a paciência faz bem a nós próprios e
aos outros. Frequentemente São Paulo recorre à paciência para sublinhar a
importância da perseverança e da confiança naquilo que nos foi prometido por
Deus, mas sobretudo testemunha que Deus é paciente connosco: Ele, que é «o Deus
da paciência e da consolação» ( Rm 15, 5). A paciência – fruto também ela do
Espírito Santo – mantém viva a esperança e consolida-a como virtude e estilo de
vida. Por isso, aprendamos a pedir muitas vezes a graça da paciência, que é
filha da esperança e, ao mesmo tempo, seu suporte.
Um caminho de esperança
5. Deste entrelaçamento de esperança e paciência, resulta
claro que a vida cristã é um caminho, que precisa também de momentos fortes
para nutrir e robustecer a esperança, insubstituível companheira que permite
vislumbrar a meta: o encontro com o Senhor Jesus. Apraz-me pensar que um
percurso de graça, animado pela espiritualidade popular, tenha antecedido a
proclamação do primeiro Jubileu em 1300. Com efeito, não podemos esquecer as
diversas formas através das quais se derramou com abundância a graça do perdão
sobre o santo Povo fiel de Deus. Recordemos, por exemplo, o grande «perdão» que
São Celestino V quis conceder a quantos iam à Basílica de Santa Maria de
Collemaggio, em Áquila, nos dias 28 e 29 de agosto de 1294, seis anos antes do
Papa Bonifácio VIII instituir o Ano Santo. Por isso, a Igreja já tinha a
experiência da graça jubilar da misericórdia.E antes ainda, em 1216, o Papa
Honório III acolhera a súplica de São Francisco, que pedia a indulgência para
quantos tivessem visitado a Porciúncula nos dois primeiros dias de agosto. O
mesmo se pode dizer da peregrinação a Santiago de Compostela: de facto, o Papa
Calisto II, em 1122, concedeu que se celebrasse o Jubileu naquele Santuário
sempre que a festa do apóstolo Tiago calhasse num domingo. É bom que continue
esta modalidade «generalizada» de celebrações jubilares, de modo que a força do
perdão de Deus sustente e acompanhe o caminho das comunidades e das pessoas.
Não é por acaso que a peregrinação representa um elemento
fundamental de todo o evento jubilar. Pôr-se a caminho é típico de quem anda à
procura do sentido da vida. A peregrinação a pé favorece muito a redescoberta
do valor do silêncio, do esforço, da essencialidade. Também no próximo ano, os
peregrinos de esperança não deixarão de percorrer caminhos antigos e modernos
para viver intensamente a experiência jubilar. Além disso, na própria cidade de
Roma, haverá itinerários de fé que se juntarão aos tradicionais das catacumbas
e das Sete Igrejas. Deslocar-se dum país ao outro como se as fronteiras
estivessem superadas, passar duma cidade a outra contemplando a criação e as
obras de arte, permitirá acumular experiências e culturas diferentes e levar
dentro de si, harmonizada pela oração, a beleza que faz agradecer a Deus as
maravilhas que Ele realizou.As igrejas jubilares, ao longo dos percursos e em
Roma, poderão ser oásis de espiritualidade onde é possível restaurar o caminho
da fé e dessedentar-se nas fontes da esperança, a começar pelo sacramento da
Reconciliação, ponto de partida insubstituível dum verdadeiro caminho de
conversão. Nas Igrejas particulares, deve ser dada uma atenção especial à
preparação dos sacerdotes e dos fiéis para as Confissões e para o acesso a este
sacramento na sua forma individual.
Aos fiéis das Igrejas Orientais, sobretudo àqueles que já
estão em plena comunhão com o Sucessor de Pedro, quero dirigir um convite
particular a cumprir esta peregrinação. Eles que tanto sofreram, muitas vezes
até à morte, pela sua fidelidade a Cristo e à Igreja, hão de sentir-se
particularmente bem-vindos a Roma, que também é Mãe para eles e conserva tantas
memórias da sua presença. A Igreja Católica, que está enriquecida pelas suas liturgias
muito antigas e pela teologia e espiritualidade dos Padres, monges e teólogos,
quer exprimir simbolicamente o acolhimento deles e dos irmãos e irmãs
ortodoxos, num tempo em que vivem já a peregrinação da Via-Sacra, sendo muitas
vezes obrigados a deixar as suas terras de origem, as suas terras santas, donde
a violência e a instabilidade os expulsam rumo a países mais seguros. Para
eles, a experiência de ser amados pela Igreja, que não os abandonará mas há de
acompanhá-los para onde quer que forem, torna ainda mais forte o sinal do
Jubileu.
6. O Ano Santo de 2025 está em continuidade com os
anteriores eventos de graça. No último Jubileu ordinário, atravessou-se o
limiar dos dois mil anos do nascimento de Jesus Cristo. Em seguida, no dia 13
de março de 2015, proclamei um Jubileu extraordinário com o objetivo de
manifestar e permitir encontrar o «Rosto da misericórdia» de Deus, [3] anúncio
central do Evangelho para toda a pessoa e em cada época. Agora chegou o momento
dum novo Jubileu, em que se abre novamente de par em par a Porta Santa para
oferecer a experiência viva do amor de Deus, que desperta no coração a
esperança segura da salvação em Cristo. Ao mesmo tempo, este Ano Santo
orientará o caminho rumo a outra data fundamental para todos os cristãos: de
facto, em 2033, celebrar-se-ão os dois mil anos da Redenção, realizada por meio
da paixão, morte e ressurreição do Senhor Jesus. Abre-se, assim, diante de nós
um percurso marcado por grandes etapas, nas quais a graça de Deus precede e
acompanha o povo que caminha zeloso na fé, diligente na caridade e perseverante
na esperança (cf. 1 Ts 1, 3).
Sustentado por tão longa tradição e certo de que este Ano
Jubilar poderá ser, para toda a Igreja, uma intensa experiência de graça e de
esperança, estabeleço que a Porta Santa da Basílica de São Pedro, no Vaticano,
seja aberta a 24 de dezembro do corrente ano de 2024, iniciando-se assim o
Jubileu Ordinário. No domingo seguinte, 29 de dezembro de 2024, abrirei a Porta
Santa da minha catedral de São João de Latrão, que celebrará, no dia 9 de
novembro deste ano, 1700 anos da sua dedicação. Posteriormente, no dia 1 de
janeiro de 2025, Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus, será aberta a Porta
Santa da Basílica Papal de Santa Maria Maior. Por fim, no domingo 5 de janeiro de
2025, será aberta a Porta Santa da Basílica Papal de São Paulo Fora dos Muros.
Estas últimas três Portas Santas serão fechadas no domingo 28 de dezembro do
mesmo ano.
Estabeleço ainda que, no domingo 29 de dezembro de 2024,
em todas as catedrais e concatedrais, os Bispos diocesanos celebrem a Santa
Missa como abertura solene do Ano Jubilar, segundo o Ritual que será preparado
para a ocasião. Quanto à celebração na igreja concatedral, o Bispo poderá ser
substituído por um Delegado, propositadamente designado. A peregrinação, desde
a igreja escolhida para a concentração até à catedral, seja o sinal do caminho
de esperança que, iluminado pela Palavra de Deus, une os crentes. Durante o
percurso, leiam-se algumas passagens deste Documento e anuncie-se ao povo a
Indulgência Jubilar, que poderá ser obtida segundo as prescrições contidas no
mesmo Ritual para a celebração do Jubileu nas Igrejas particulares. Durante o
Ano Santo, que terminará nas Igrejas particulares no domingo 28 de dezembro de
2025, zele-se para que o Povo de Deus possa acolher, com plena participação,
tanto o anúncio de esperança da graça de Deus, como os sinais que atestam a sua
eficácia.
O Jubileu Ordinário terminará com o encerramento da Porta
Santa da Basílica Papal de São Pedro, no Vaticano, na solenidade da Epifania do
Senhor, dia 6 de janeiro de 2026. Que a luz da esperança cristã chegue a cada
pessoa, como mensagem do amor de Deus dirigida a todos. E que a Igreja seja
testemunha fiel deste anúncio em todas as partes do mundo.
Sinais de esperança
7. Além de beber a esperança na graça de Deus, somos
também chamados a descobri-la nos sinais dos tempos, que o Senhor oferece. Como
afirma o Concílio Vaticano II, «é dever da Igreja investigar a todo o momento
os sinais dos tempos, e interpretá-los à luz do Evangelho; para que assim possa
responder, de modo adaptado em cada geração, às eternas perguntas dos homens
acerca do sentido da vida presente e da futura, e da relação entre ambas». [4]
Por isso, para não cair na tentação de nos considerarmos subjugados pelo mal e
pela violência, é necessário prestar atenção a tanto bem que existe no mundo.
Porém, os sinais dos tempos, que contêm o anélito do coração humano, carecido
da presença salvífica de Deus, pedem para ser transformados em sinais de esperança.
8. Que o primeiro sinal de esperança se traduza em paz
para o mundo, mais uma vez imerso na tragédia da guerra. Esquecida dos dramas
do passado, a humanidade encontra-se de novo submetida a uma difícil prova que
vê muitas populações oprimidas pela brutalidade da violência. Faltará ainda a
esses povos algo que não tenham já sofrido? Como é possível que o seu
desesperado grito de ajuda não impulsione os responsáveis das Nações a querer
pôr fim aos demasiados conflitos regionais, cientes das consequências que daí
podem derivar a nível mundial? Será excessivo sonhar que as armas se calem e
deixem de difundir destruição e morte? O Jubileu recorde que serão «chamados
filhos de Deus» todos aqueles que se fazem «obreiros de paz» (Mt 5, 9). A
necessidade da paz interpela a todos e impõe a prossecução de projetos
concretos. Que não falte o empenho da diplomacia para se construírem, de forma
corajosa e criativa, espaços de negociação em vista duma paz duradoura.
9. Olhar para o futuro com esperança equivale a ter
também uma visão da vida carregada de entusiasmo para transmitir. Infelizmente,
em muitas situações, temos de constatar que falta esta perspectiva. A primeira
consequência é a perda do desejo de transmitir a vida. Por causa dos ritmos
frenéticos da vida, dos receios face ao futuro, da falta de garantias laborais
e de adequada proteção social, de modelos sociais ditados mais pela procura do
lucro do que pelo cuidado das relações humanas, assiste-se em vários países a
uma preocupante queda da natalidade. Já noutros contextos, «culpar o incremento
demográfico em vez do consumismo exacerbado e seletivo de alguns é uma forma de
não enfrentar os problemas». [5]
A abertura à vida, com uma maternidade e uma paternidade
responsáveis, é o projeto que o Criador inscreveu no coração e no corpo dos
homens e das mulheres, uma missão que o Senhor confia aos cônjuges e ao seu
amor. Além do empenho legislativo dos Estados, é urgente que não lhes falte o
apoio convicto das comunidades crentes e da inteira comunidade civil em todas
as suas componentes, porque o desejo dos jovens de gerar novos filhos e filhas,
como fruto da fecundidade do seu amor, dá futuro a toda a sociedade e é uma
questão de esperança: depende da esperança e gera esperança.
Por isso, a comunidade cristã não pode ficar atrás de
ninguém no apoio à necessidade duma aliança social em prol da esperança, que
seja inclusiva e não ideológica, e trabalhe por um futuro marcado pelo sorriso
de tantos meninos e meninas que, em muitas partes do mundo, venham encher os
demasiados berços vazios. Todos, na realidade, sentem a necessidade de
recuperar a alegria de viver, porque o ser humano, criado à imagem e semelhança
de Deus (cf. Gn 1, 26), não pode contentar-se com sobreviver ou ir vivendo nem
conformar-se com o tempo presente, satisfazendo-se com realidades apenas
materiais. Isto fecha-nos no individualismo e corrói a esperança, gerando uma
tristeza que se aninha no coração, tornando-nos amargos e impacientes.
10. No Ano Jubilar, seremos chamados a ser sinais
palpáveis de esperança para muitos irmãos e irmãs que vivem em condições de
dificuldade. Penso nos presos que, privados de liberdade, além da dureza da
reclusão, experimentam dia a dia o vazio afetivo, as restrições impostas e, em
não poucos casos, a falta de respeito. Proponho aos Governos que, no Ano
Jubilar, tomem iniciativas que lhes restituam esperança: formas de amnistia ou
de perdão da pena, que ajudem as pessoas a recuperar a confiança em si mesmas e
na sociedade; percursos de reinserção na comunidade, aos quais corresponda um
compromisso concreto de cumprir as leis.
Trata-se de um apelo antigo que, provindo da Palavra de
Deus, permanece com todo o seu valor sapiencial ao invocar atos de clemência e libertação
que permitam recomeçar: «Santificareis o quinquagésimo ano, proclamando na
vossa terra a libertação de todos os que a habitam» ( Lv 25, 10). O que está
estabelecido na Lei mosaica é retomado pelo profeta Isaías: «O Senhor (…)
enviou-me para levar a boa-nova aos que sofrem, para curar os desesperados,
para anunciar a libertação aos exilados e a liberdade aos prisioneiros, para
proclamar um ano da graça do Senhor» ( Is 61, 1-2). São palavras que Jesus fez
suas no início do seu ministério, declarando em Si mesmo o cumprimento do «ano
favorável da parte do Senhor» ( Lc 4, 19). Em todos os cantos da terra, os
crentes, especialmente os Pastores, façam-se intérpretes destes pedidos,
formando uma só voz que peça corajosamente condições dignas para quem está
recluso, respeito pelos direitos humanos e sobretudo a abolição da pena de
morte, uma medida inadmissível para a fé cristã que aniquila qualquer esperança
de perdão e renovação. [6] A fim de oferecer aos presos um sinal concreto de
proximidade, eu mesmo desejo abrir uma Porta Santa numa prisão, para que seja
para eles um símbolo que os convida a olhar o futuro com esperança e renovado
compromisso de vida.
11. Sinais de esperança hão de ser oferecidos aos
doentes, que se encontram em casa ou no hospital. Que os seus sofrimentos
encontrem alívio na proximidade de pessoas que os visitem e no carinho que
recebem! As obras de misericórdia são também obras de esperança, que despertam
nos corações sentimentos de gratidão. E que a gratidão chegue a todos os profissionais
de saúde que, em condições tantas vezes difíceis, desempenham a sua missão com
solícito cuidado pelas pessoas doentes e mais frágeis.
Oxalá não falte a atenção inclusiva por todos aqueles
que, encontrando-se em condições de vida particularmente extenuantes,
experimentam a sua própria fragilidade, de modo especial se sofrem de
patologias ou deficiências que limitam fortemente a autonomia pessoal. O
cuidado para com eles é um hino à dignidade humana, um canto de esperança que
exige a sincronização de toda a sociedade.
12. E de sinais de esperança também têm necessidade
aqueles que, em si mesmos, a representam: os jovens. Muitas vezes,
infelizmente, veem desmoronar-se os seus sonhos. Não os podemos decepcionar: o
futuro funda-se no seu entusiasmo. Como é belo vê-los irradiar energia, por
exemplo, quando voluntariamente arregaçam as mangas e se comprometem nas
situações de calamidade e mal-estar social! Já é triste ver jovens sem
esperança; se bem que se torna inevitável viver o presente na melancolia e no
tédio quando o futuro é incerto e impermeável aos sonhos, o estudo não oferece
saídas e a falta de emprego ou dum trabalho suficientemente estável corre o
risco de suprimir os desejos. A ilusão das drogas, o risco da transgressão e a
busca do efémero criam nos jovens, mais do que nos outros, confusão e
escondem-lhes a beleza e o sentido da vida, fazendo-os escorregar para abismos
escuros e impelindo-os a gestos autodestrutivos. Por isso, que o Jubileu seja,
na Igreja, ocasião para um impulso a favor deles: com renovada paixão, cuidemos
dos adolescentes, dos estudantes, dos namorados, das gerações jovens!
Mantenhamo-nos próximo dos jovens, alegria e esperança da Igreja e do mundo!
13. Não poderão faltar sinais de esperança em relação aos
migrantes, que deixam a sua terra à procura duma vida melhor para si próprios e
suas famílias. Que as suas expetativas não sejam frustradas por preconceitos e
isolamentos! Ao acolhimento, que no respeito pela sua dignidade abre os braços
a cada um deles, junte-se a responsabilidade, de modo que a ninguém seja negado
o direito de construir um futuro melhor. A tantos exilados, deslocados e
refugiados que, por acontecimentos internacionais controversos, são forçados a
fugir para evitar guerras, violência e discriminação, sejam garantidos a
segurança e o acesso ao trabalho e à instrução, instrumentos necessários para a
sua inserção no novo contexto social.
Possa a comunidade cristã estar sempre pronta a defender
os direitos dos mais débeis. Generosamente abra de par em par as portas do
acolhimento, para que nunca falte a ninguém a esperança duma vida melhor.
Ressoe nos corações a Palavra do Senhor que, na grande parábola do juízo final,
disse: «Era estrangeiro e acolhestes-me», porque «sempre que fizestes isto a um
destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 35.40).
14. Sinais de esperança merecem-nos os idosos, que muitas
vezes experimentam a solidão e o sentimento de abandono. Valorizar o tesouro
que eles são, a sua experiência de vida, a sabedoria que trazem consigo e o
contributo que podem dar, é um empenho da comunidade cristã e da sociedade
civil, chamadas a trabalhar em conjunto em prol da aliança entre as gerações.
Dirijo um pensamento particular aos avôs e às avós, que
representam a transmissão da fé e da sabedoria de vida às gerações mais jovens.
Sejam amparados pela gratidão dos filhos e pelo amor dos netos, que neles
encontram as suas raízes, compreensão e estímulo.
15. E sentidamente, invoco a esperança para os milhares
de milhões de pobres, a quem muitas vezes falta o necessário para viver. Face à
sucessão de renovadas vagas de empobrecimento, corre-se o risco de nos
habituarmos e resignarmos. Mas não podemos desviar o olhar de situações tão
dramáticas, que se veem já por todo o lado, e não apenas em certas zonas do
mundo. Todos os dias encontramos pessoas pobres ou empobrecidas e, por vezes,
podem ser nossas vizinhas de casa. Frequentemente, não têm uma habitação nem
alimentação suficiente para o dia. Sofrem a exclusão e a indiferença de muitos.
É escandaloso que, num mundo dotado de enormes recursos destinados em grande
parte para armas, os pobres sejam «a maioria (…), milhares de milhões de
pessoas. Hoje são mencionados nos debates políticos e económicos
internacionais, mas com frequência parece que os seus problemas se coloquem
como um apêndice, como uma questão que se acrescenta quase por obrigação ou
perifericamente, quando não são considerados meros danos colaterais. Com
efeito, na hora da implementação concreta, permanecem frequentemente no último
lugar». [7] Não esqueçamos: os pobres são quase sempre vítimas, não os
culpados.
Apelos em favor da esperança
16. Fazendo ecoar a palavra antiga dos profetas, o
Jubileu lembra que os bens da terra se destinam a todos, e não a poucos
privilegiados. É preciso que seja generoso quem possui riquezas, reconhecendo o
rosto dos irmãos em necessidade. Penso de modo particular naqueles que carecem
de água e alimentação: a fome é uma chaga escandalosa no corpo da nossa
humanidade, e convida todos a um rebate de consciência. Renovo o apelo para
que, «com o dinheiro usado em armas e noutras despesas militares, constituamos
um Fundo global para acabar de vez com a fome e para o desenvolvimento dos
países mais pobres, a fim de que os seus habitantes não recorram a soluções
violentas ou enganadoras, nem precisem de abandonar os seus países à procura
duma vida mais digna». [8]
Outro convite premente que desejo fazer, tendo em vista o
Ano Jubilar, destina-se às nações mais ricas, para que reconheçam a gravidade
de muitas decisões tomadas e estabeleçam o perdão das dívidas dos países que
nunca poderão pagá-las. Mais do que magnanimidade, é uma questão de justiça,
agravada hoje por uma nova forma de desigualdade de que se vai tomando
consciência: «Com efeito, há uma verdadeira “dívida ecológica”, particularmente
entre o Norte e o Sul, ligada a desequilíbrios comerciais com consequências no
âmbito ecológico e com o uso desproporcionado dos recursos naturais efetuado
historicamente por alguns países». [9] Como ensina a Sagrada Escritura, a terra
pertence a Deus e todos nós vivemos nela como «estrangeiros e hóspedes» ( Lv
25, 23). Se queremos verdadeiramente preparar no mundo a senda da paz,
empenhemo-nos em remediar as causas remotas das injustiças, reformulemos as dívidas
injustas e insolventes, saciemos os famintos.
17. Durante o próximo Jubileu, ocorrerá um aniversário
muito significativo para todos os cristãos: completar-se-ão 1700 anos da
celebração do primeiro grande Concílio ecuménico, o de Niceia. É bom lembrar
que já em diversas ocasiões, desde os tempos apostólicos, os Pastores se
reuniram em assembleia com a finalidade de tratar temáticas doutrinais e
questões disciplinares. Nos primeiros séculos da fé, multiplicaram-se os
Sínodos tanto no Oriente como no Ocidente cristão, mostrando como era
importante guardar a unidade do Povo de Deus e o anúncio fiel do Evangelho. O
Ano Jubilar poderá ser uma importante oportunidade para tornar concreto este
modo sinodal, que hoje a comunidade cristã sente como expressão cada vez mais
necessária para melhor corresponder à urgência da evangelização: todos os
batizados, cada qual com o próprio carisma e ministério, se sintam
corresponsáveis pela mesma a fim de que muitos sinais de esperança deem
testemunho da presença de Deus no mundo.
O Concílio de Niceia teve a missão de preservar a
unidade, então seriamente ameaçada pela negação da plena divindade de Jesus
Cristo e da sua igualdade com o Pai. Estiveram presentes cerca de trezentos
Bispos que, convocados sob impulso do imperador Constantino em 20 de maio de
325, se reuniram no palácio imperial. Depois de vários debates, todos, com a
graça do Espírito, se reconheceram no Símbolo de fé que ainda hoje professamos
na Celebração Eucarística dominical. Os Padres conciliares quiseram iniciar aquele
Símbolo empregando pela primeira vez a expressão «Nós cremos», [10]
testemunhando que, naquele «Nós», todas as Igrejas se encontravam em comunhão e
todos os cristãos professavam a mesma fé.
O Concílio de Niceia é um marco miliário na história da
Igreja. O aniversário da sua realização convida os cristãos a unirem-se no
louvor e agradecimento à Santíssima Trindade e, em particular, a Jesus Cristo,
o Filho de Deus, «consubstancial ao Pai», [11] que nos revelou este mistério de
amor. Mas Niceia constitui também um convite a todas as Igrejas e Comunidades
eclesiais para avançarem rumo à unidade visível, não se cansando de procurar
formas apropriadas para corresponder plenamente à oração de Jesus: «Que todos
sejam um só, como Tu, Pai, estás em mim e Eu em ti; para que assim eles estejam
em Nós e o mundo creia que Tu me enviaste» ( Jo 17, 21).
No Concílio de Niceia, tratou-se também da data da
Páscoa. A este respeito, ainda hoje existem posições diferentes, que impedem de
celebrar, no mesmo dia, o evento fundante da fé. Por uma circunstância
providencial, isso acontecerá precisamente no ano de 2025. Seja isto um apelo a
todos os cristãos do Oriente e do Ocidente para darem resolutamente um passo
rumo à unidade em torno duma data comum para a Páscoa. Vale a pena recordar que
muitos desconhecem as diatribes do passado e não entendem como possam subsistir
divisões a tal propósito.
Ancorados na esperança
18. A esperança forma, juntamente com a fé e a caridade,
o tríptico das «virtudes teologais», que exprimem a essência da vida cristã
(cf. 1 Cor 13, 13; 1 Ts 1, 3). No dinamismo indivisível das três, a esperança é
a virtude que imprime, por assim dizer, a orientação, indicando a direção e a
finalidade da existência crente. Por isso, o apóstolo Paulo convida-nos a ser
«alegres na esperança, pacientes na tribulação, perseverantes na oração» (Rm
12, 12). Assim deve ser; precisamos de transbordar de esperança (cf. Rm 15, 13)
para testemunhar de modo credível e atraente a fé e o amor que trazemos no
coração; para que a fé seja jubilosa, a caridade entusiasta; para que cada um
seja capaz de oferecer ao menos um sorriso, um gesto de amizade, um olhar
fraterno, uma escuta sincera, um serviço gratuito, sabendo que, no Espírito de
Jesus, isso pode tornar-se uma semente fecunda de esperança para quem o recebe.
Mas qual é o fundamento da nossa esperança? Para o compreender, é bom deter-nos
nas razões da nossa esperança (cf. 1 Ped 3, 15).
19. «Creio na vida eterna»: [12] assim professa a nossa
fé, e a esperança cristã encontra nestas palavras um ponto fundamental de
apoio. De facto, «é a virtude teologal pela qual desejamos (…) a vida eterna
como nossa felicidade». [13] O Concílio Ecuménico Vaticano II afirma: «Se
faltam o fundamento divino e a esperança da vida eterna, a dignidade humana é
gravemente lesada, como tantas vezes se verifica nos nossos dias, e os enigmas
da vida e da morte, do pecado e da dor ficam sem solução, o que frequentemente
leva os homens ao desespero». [14] Enquanto, em virtude da esperança na qual
fomos salvos, vendo passar o tempo, temos a certeza que a história da
humanidade e a de cada um de nós não correm para uma meta sem saída nem para um
abismo escuro, mas estão orientadas para o encontro com o Senhor da glória. Por
isso vivemos na expetativa do seu regresso e na esperança de vivermos n’Ele
para sempre: é com este espírito que fazemos nossa aquela comovente invocação
dos primeiros cristãos com que termina a Sagrada Escritura: «Vem, Senhor
Jesus!» ( Ap 22, 20).
20. Jesus morto e ressuscitado é o coração da nossa fé.
São Paulo, ao enunciar este conteúdo em poucas palavras (usa só quatro verbos),
transmite-nos o «núcleo» da nossa esperança. «Transmiti-vos, em primeiro lugar,
o que eu próprio recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras;
foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras; apareceu a
Cefas e depois aos Doze» ( 1 Cor 15, 3-5). Cristo morreu, foi sepultado,
ressuscitou, apareceu. Por nós, passou através do drama da morte. O amor do Pai
ressuscitou-O na força do Espírito, fazendo da sua humanidade as primícias da
eternidade para a nossa salvação. A esperança cristã consiste precisamente
nisto: face à morte onde tudo parece acabar, através de Cristo e da sua graça
que nos foi comunicadano Batismo, recebe-se a certeza de que «a vida não acaba,
apenas se transforma», [15] para sempre. Com efeito, sepultados juntamente com
Cristo no Batismo, recebemos n’Ele, ressuscitado, o dom duma vida nova, que
derruba o muro da morte, fazendo dela uma passagem para a eternidade.
E se diante da morte, dolorosa separação que nos obriga a
deixar os nossos entes queridos, não é possível qualquer retórica, o Jubileu
oferecer-nos-á a oportunidade de descobrir, com imensa gratidão, o dom daquela
vida nova recebida no Batismo, capaz de transfigurar o seu drama. É
significativo repensar, no contexto jubilar, como este mistério foi
compreendido desde os primeiros séculos da fé. Durante muito tempo, por
exemplo, os cristãos construíram a pia batismal em forma octogonal, e ainda
hoje podemos admirar muitos batistérios antigos que mantêm esta forma, como em
São João de Latrão na cidade de Roma. Indica que, na fonte batismal, se
inaugura o oitavo dia, isto é o da ressurreição, o dia que ultrapassa o ritmo
habitual, marcado pela cadência semanal, abrindo assim o ciclo do tempo à
dimensão da eternidade, à vida que dura para sempre: esta é a meta para a qual
tendemos na nossa peregrinação terrena (cf. Rm 6, 22).
O testemunho mais convincente desta esperança é-nos
oferecido pelos mártires que, firmes na fé em Cristo ressuscitado, foram
capazes de renunciar à própria vida da terra para não trair o seu Senhor.
Temo-los em todas as épocas e são numerosos – e talvez mais do que nunca nos
nossos dias – como confessores da vida que não tem fim. Precisamos de conservar
o seu testemunho para tornar fecunda a nossa esperança.
Estes mártires, pertencentes às diferentes tradições
cristãs, são também sementes de unidade, porque exprimem o ecumenismo do
sangue. Durante o Jubileu desejo ardentemente que não falte uma celebração
ecuménica para evidenciar a riqueza do testemunho destes Mártires.
21. Então, que será de nós depois da morte? Com Jesus,
além deste limiar, há a vida eterna, que consiste na plena comunhão com Deus,
na contemplação e participação do seu amor infinito. Tudo o que agora vivemos
na esperança, vê-lo-emos então na realidade. A propósito, escreveu Santo
Agostinho: «Quando me unir a Vós com todo o meu ser, não existirá para mim em
lado algum dor e tristeza. A minha vida será uma vida verdadeira, totalmente
cheia de Vós». [16] Então, o que caracterizará tal plenitude de comunhão? O ser
feliz. A felicidade é a vocação do ser humano, uma meta que diz respeito a
todos.
Mas, o que é a felicidade? Que felicidade esperamos e
desejamos? Não uma alegria passageira, uma satisfação efémera que, uma vez
alcançada, volta sempre a pedir mais, numa espiral de avidez em que o espírito
humano nunca se encontra saciado, antes sente-se cada vez mais vazio.
Precisamos duma felicidade que se cumpra definitivamente naquilo que nos
realiza, ou seja, no amor, para se poder dizer já agora: sou amado, logo
existo; e existirei para sempre no Amor que não desilude e do qual nada e
ninguém me poderá separar. Recordemos ainda as palavras do Apóstolo: «Estou
convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos nem os principados, nem
o presente nem o futuro, nem as potestades, nem a altura nem o abismo, nem
qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo
Jesus, Senhor nosso» (Rm 8, 38-39).
22. Outra realidade ligada à vida eterna é o juízo de
Deus, quer no termo da nossa existência quer no fim dos tempos. Muitas vezes a
arte tentou representá-lo – pensemos na obra-prima de Michelangelo, na Capela
Sistina –, atendo-se à concepção teológica da época e transmitindo um sentimento
de temor a quem o observa. Se é justo preparar-se com viva consciência e
seriedade para o momento que recapitula a existência, ao mesmo tempo é
necessário fazê-lo sempre na dimensão da esperança, virtude teologal que sustenta
a vida e nos permite não cair no medo. O juízo de Deus, que é amor (cf. 1 Jo 4,
8.16), só poderá basear-se no amor, especialmente naquele que tivermos, ou não,
praticado para com os mais necessitados, nos quais Cristo, o próprio Juiz, está
presente (cf. Mt 25, 31-46). Trata-se, portanto, dum juízo diferente do juízo
dos homens e dos tribunais terrenos; deve ser entendido como uma relação de
verdade com Deus-amor e consigo mesmo dentro do mistério insondável da
misericórdia divina. A Sagrada Escritura afirma a este respeito: «Tu ensinaste
o teu povo que o justo deve ser amigo dos homens, e deste a teus filhos uma boa
esperança, porque, após o pecado, dás a conversão (…), para que, ao sermos
julgados, esperemos misericórdia» ( Sab 12, 19.22). Como escreveu Bento XVI,
«no momento do Juízo, experimentamos e acolhemos este prevalecer do seu amor
sobre todo o mal no mundo e em nós. A dor do amor torna-se a nossa salvação e a
nossa alegria». [17]
Por conseguinte, o juízo diz respeito à salvação na qual
esperamos e que Jesus nos obteve com a sua morte e ressurreição. Visa abrir ao
encontro definitivo com Ele. E, como em tal contexto não se pode pensar que o
mal cometido permaneça oculto, o mesmo precisa de ser purificado, para nos
permitir a passagem definitiva ao amor de Deus. Compreende-se, neste sentido, a
necessidade de rezar por aqueles que concluíram o caminho terreno: uma
solidariedade na intercessão orante que encontra a sua eficácia na comunhão dos
santos, no vínculo comum que nos une em Cristo, primogénito da criação. Assim,
a Indulgência Jubilar, em virtude da oração, destina-se de modo particular a
todos aqueles que nos precederam, para que obtenham plena misericórdia.
23. De facto, a indulgência permite-nos descobrir como é
ilimitada a misericórdia de Deus. Não é por acaso que, na antiguidade, o termo
«misericórdia» era cambiável com o de «indulgência», precisamente porque
pretende exprimir a plenitude do perdão de Deus que não conhece limites.
O sacramento da Penitência assegura-nos que Deus apaga os
nossos pecados. Vêm à mente, com toda a sua carga de consolação, estas palavras
do Salmo: «É Ele quem perdoa as tuas culpas e cura todas as tuas enfermidades.
É Ele quem resgata a tua vida do túmulo e te enche de graça e de ternura. (…) O
Senhor é misericordioso e compassivo, é paciente e cheio de amor. (…) Não nos
tratou segundo os nossos pecados, nem nos castigou segundo as nossas culpas.
Como é grande a distância dos céus à terra, assim são grandes os seus favores
para os que O temem. Como o Oriente está afastado do Ocidente, assim Ele afasta
de nós os nossos pecados» (Sal 103, 3-4.8.10-12). A Reconciliação sacramental
não é apenas uma estupenda oportunidade espiritual, mas representa um passo decisivo,
essencial e indispensável no caminho de fé de cada um. Ali permitimos ao Senhor
que destrua os nossos pecados, sare o nosso coração, nos levante e abrace, nos
faça conhecer o seu rosto terno e compassivo. Na verdade, não há modo melhor de
conhecer a Deus do que deixar-se reconciliar por Ele (cf. 2 Cor 5, 20),
saboreando o seu perdão. Por isso, não renunciemos à Confissão, mas descubramos
a beleza do Sacramento da cura e da alegria, a beleza do perdão dos pecados.
Todavia o pecado, como sabemos por experiência pessoal,
«deixa a sua marca», traz consigo consequências: não só exteriores, como
consequências do mal cometido, mas também interiores, pois «todo o pecado,
mesmo venial, traz consigo um apego desordenado às criaturas, o qual precisa de
ser purificado, quer nesta vida quer depois da morte, no estado que se chama
Purgatório». [18] Assim, na nossa débil humanidade atraída pelo mal, permanecem
«efeitos residuais do pecado». São tirados pela indulgência, sempre por graça
de Cristo, o Qual, como escreveu São Paulo VI, é «a nossa “indulgência”». [19]
A Penitenciaria Apostólica providenciará à emanação das disposições necessárias
para poder obter e tornar efetiva a prática da Indulgência Jubilar.
Uma tal experiência repleta de perdão não pode deixar de
abrir o coração e a mente para perdoar. Perdoar não muda o passado, não pode
modificar o que já aconteceu; no entanto, o perdão pode-nos permitir mudar o
futuro e viver de forma diferente, sem rancor, ódio e vingança. O futuro
iluminado pelo perdão permite ler o passado com olhos diversos, mais serenos,
mesmo que ainda banhados de lágrimas.
No passado Jubileu extraordinário, instituí os
Missionários da Misericórdia, que continuam a desempenhar uma missão
importante. Que eles exerçam o seu ministério também durante o próximo Jubileu,
restituindo esperança e perdoando todas as vezes que um pecador se dirija a
eles de coração aberto e espírito arrependido. Continuem a ser instrumentos de
reconciliação, e ajudem a olhar para o futuro com a esperança do coração que
provém da misericórdia do Pai. Espero que os Bispos possam valer-se do seu
precioso serviço, sobretudo enviando-os onde a esperança está posta a dura
prova, como nas prisões, nos hospitais e nos lugares onde a dignidade da pessoa
é espezinhada, nas situações mais desfavorecidas e nos contextos de maior
degradação, para que ninguém fique privado da possibilidade de receber o perdão
e a consolação de Deus.
24. A esperança encontra, na Mãe de Deus, a sua
testemunha mais elevada. N’Ela vemos como a esperança não seja um efémero
otimismo, mas dom de graça no realismo da vida. Como todas as mães, cada vez
que olhava para o Filho pensava no seu futuro, e certamente no coração trazia
gravadas aquelas palavras que Simeão Lhe dirigira no templo: «Este menino está aqui
para queda e ressurgimento de muitos em Israel e para ser sinal de contradição;
uma espada trespassará a tua alma» (Lc 2, 34-35). E aos pés da cruz, enquanto
via Jesus inocente sofrer e morrer, embora atravessada por terrível angústia,
repetia o seu «sim», sem perder a esperança e a confiança no Senhor. Desta
forma, cooperava em nosso favor no cumprimento do que dissera seu Filho ao
anunciar que Ele teria de «sofrer muito e ser rejeitado pelos anciãos, pelos
sumos sacerdotes e pelos doutores da Lei, e ser morto e ressuscitar depois de
três dias» (Mc 8, 31), e no parto daquela dor oferecida por amor tornava-Se
nossa Mãe, Mãe da esperança. Não é por acaso que a piedade popular continua a
invocar a Virgem Santa como Stella Maris, um título expressivo da esperança
segura de que, nas tempestuosas vicissitudes da vida, a Mãe de Deus vem em
nosso auxílio, apoia-nos e convida-nos a ter fé e a continuar a esperar.
A propósito, apraz-me recordar que o Santuário de Nossa
Senhora de Guadalupe, na Cidade do México, está a preparar-se para celebrar, em
2031, os 500 anos da primeira aparição da Virgem. Através do jovem Juan Diego,
a Mãe de Deus fazia-nos chegar uma revolucionária mensagem de esperança que,
ainda hoje, repete a todos os peregrinos e fiéis: «Porventura não estou aqui
Eu, que sou tua Mãe?» [20] Uma mensagem semelhante é impressa nos corações, em
tantos Santuários Marianos espalhados pelo mundo, metas de inúmeros peregrinos
que confiam à Mãe de Deus preocupações, sofrimentos e anseios. Neste Ano
Jubilar, que os Santuários sejam lugares sagrados de acolhimento e espaços
privilegiados para gerar esperança. Aos peregrinos que vierem a Roma,
convido-os a fazerem uma paragem orante nos Santuários Marianos da cidade a fim
de venerar a Virgem Maria e invocar a sua proteção. Estou confiante de que
todos, especialmente aqueles que sofrem e estão atribulados, poderão
experimentar a proximidade da mais afetuosa das mães, que nunca abandona os
seus filhos; Ela que é, para o santo Povo de Deus, «sinal de esperança segura e
de consolação». [21]
25. No caminho rumo ao Jubileu, voltemos à Sagrada
Escritura e sintamos, dirigidas a nós, estas palavras: «Nós que procuramos
refúgio n’Ele, encontramos grande estímulo agarrando-nos à esperança proposta.
Nessa esperança, temos como que uma âncora segura e firme da alma, que penetra
até ao interior do véu, onde Jesus entrou como nosso precursor» (Heb 6, 18-20).
É um forte convite a nunca perder a esperança que nos foi dada, a mantê-la
firme, encontrando refúgio em Deus.
A imagem da âncora é sugestiva para compreender a
estabilidade e a segurança que possuímos no meio das águas agitadas da vida, se
nos confiarmos ao Senhor Jesus. As tempestades nunca poderão prevalecer, porque
estamos ancorados na esperança da graça, capaz de nos fazer viver em Cristo,
superando o pecado, o medo e a morte. Esta esperança, muito maior do que as
satisfações quotidianas e as melhorias nas condições de vida, transporta-nos
para além das provações e exorta-nos a caminhar sem perder de vista a grandeza
da meta a que somos chamados: o Céu.
Portanto, o próximo Jubileu há de ser um Ano Santo
caraterizado pela esperança que não conhece ocaso, a esperança em Deus. Que nos
ajude também a reencontrar a confiança necessária, tanto na Igreja como na
sociedade, no relacionamento interpessoal, nas relações internacionais, na
promoção da dignidade de cada pessoa e no respeito pela criação. Que o
testemunho crente seja fermento de esperança genuína no mundo, anúncio de novos
céus e nova terra (cf. 2 Ped 3, 13), onde habite a justiça e a harmonia entre
os povos, visando a realização da promessa do Senhor.
Deixemo-nos, desde já, atrair pela esperança,
consentindo-lhe que, por nosso intermédio, se torne contagiosa para quantos a
desejam. Possa a nossa vida dizer-lhes: «Confia no Senhor! Sê forte e corajoso,
e confia no Senhor» (Sal 27, 14). Que a força da esperança encha o nosso
presente, aguardando com confiança o regresso do Senhor Jesus Cristo, a Quem é
devido o louvor e a glória agora e nos séculos futuros.
Dado em Roma, junto de São João de Latrão, na Solenidade
da Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo, 9 de maio do ano 2024, décimo segundo
de Pontificado.
FRANCISCO