24 de novembro de 2022

O POEMA À VIRGEM MARIA – JOSÉ DE ANCHIETA



O Poema da Virgem Maria, composto por Anchieta, foi escrito na areia da praia durante o período que permaneceu refém dos índios em Iperoig, hoje cidade de Ubatuba, durante uma negociação de paz. Com mais de seis mil estrofes é, ainda hoje, o maior poema mariano já escrito. As marcas na areia da praia eram sinal da sua consagração à Imaculada Mãe de Deus e da sua confiança filial na proteção materna da Virgem Maria. Pois, as fortes ameaças e tentações sofridas no período de cativeiro fizeram-no se entregar ainda mais à devoção mariana. A seguir leia um pouco do poema.

 

A COMPAIXÃO E O PRANTO DA VIRGEM NA MORTE DO FILHO

 

Minha alma, por que tu te abandonas ao profundo sono?

Por que no pesado sono, tão fundo ressonas?

Não te move à aflição dessa Mãe toda em pranto,

Que a morte tão cruel do Filho chora tanto?

 

E cujas entranhas sofrem e se consome de dor,

Ao ver, ali presente, as chagas que Ele padece?

Em qualquer parte que olha, vê Jesus,

Apresentando aos teus olhos cheios de sangue.

 

Olha como está prostrado diante da Face do Pai,

Todo o suor de sangue do seu corpo se esvai.

Olha a multidão se comporta como Ele se ladrão fosse,

Pisam-NO e amarram as mãos presas ao pescoço.

 

Olha, diante de Anás, como um cruel soldado

O esbofeteia forte, com punho bem cerrado.

Vê como diante Caifás, em humildes meneios,

Aguenta mil opróbrios, socos e escarros feios.

 

Não afasta o rosto ao que bate, e do perverso

Que arranca Tua barba com golpes violento.

Olha com que chicote o carrasco sombrio

Dilacera do Senhor a meiga carne a frio.

 

Olha como lhe rasgou a sagrada cabeça os espinhos,

E o sangue corre pela Face pura e bela.

Pois não vês que seu corpo, grosseiramente ferido

Mal susterá ao ombro o desumano peso?

 

Vê como os carrascos pregaram no lenho

As inocentes mãos atravessadas por cravos.

Olha como na Cruz o algoz cruel prega

Os inocentes pés o cravo atravessa.

 

Eis o Senhor, grosseiramente dilacerado pendurado no tronco,

Pagando com Teu Divino Sangue o antigo crime!

Vê: quão grande e funesta ferida transpassa o peito, aberto

Donde corre mistura de sangue e água.

 

Se o não sabes, a Mãe dolorosa reclama

Para si, as chagas que vê suportar o Filho que ama.

Pois quanto sofreu aquele corpo inocente em reparação,

Tanto suporta o Coração compassivo da Mãe, em expiação.

 

 

 

Ergue-te, pois e, embora irritado com os injustos judeus

Procura o Coração da Mãe de Deus.

Um e outro deixaram sinais bem marcados

Do caminho claro e certo feito para todos nós.

 

Ele aos rastros tingiu com seu sangue tais sendas,

Ela o solo regou com lágrimas tremendas.

A boa Mãe procura, talvez chorando se consolar,

Se as vezes triste e piedosa as lágrimas se entregar.

 

Mas se tanta dor não admite consolação

É porque a cruel morte levou a vida de sua vida,

Ao menos chorarás lastimando a injúria,

Injúria, que causou a morte violenta.

 

Mas onde te levou Mãe, o tormento dessa dor?

Que região te guardou a prantear tal morte?

Acaso as montanhas ouvirão Teus lamentos?

Onde está a terra podre dos ossos humanos?

 

Acaso está nas trevas a árvore da Cruz,

Onde o Teu JESUS foi pregado por Amor?

 

Esta tristeza é a primeira punição da Mãe,

No lugar da alegria, segura uma dor cruel,

Enquanto a turba gozava de insensata ousadia,

Impedindo Aquele que foi destruído na Cruz.

 

Mãe, mas este precioso fruto de Teu ventre

Deu vida eterna a todos os fieis que O amam,

E prefere a magia do nascer à força da morte,

Ressurgindo, deixou a ti como penhor e herança.

 

Mas finda Tua vida, Teu Coração perseverou no amor,

Foi para o Teu repouso com um amor muito forte!

O inimigo Te arrastou a esta cruz amarga,

Que pesou incomodo em Teu doce seio.

 

Morreu Jesus traspassado com terríveis chagas

Ele, formoso espírito, glória e luz do mundo;

Quanta chaga sofreu e tantas Lhe causaram dores;

Efetivamente, uma vida em vós era duas!

 

Todavia conserva o Amor em Teu Coração, e jamais

Evidentemente deixou de o hospedar no Coração,

Feito em pedaços pela morte cruel que suportou

Pois à lança rasgou o Teu Coração enrijecido.

 

 

O Teu Espírito piedoso e comovido quebrou na flagelação,

A coroa de espinhos ensanguentou o Teu Coração fiel.

Contra Ti conspirou os terríveis cravos sangrentos,

Tudo que é amargo e cruel o Teu Filho suportou na Cruz.

 

Morto Deus, então porque vives Tu a Tua vida?

Porque não foste arrastada em morte parecida?

E como é que, ao morrer, não levou o Teu espírito,

Se o Teu Coração sempre uniu os dois espíritos?

 

Admito, não pode tantas dores em Tua vida

Suportar, aguentando se não com um amor imenso;

Se não Te alentar a força do nascimento Divino

Deixará o Teu Coração sofrendo muito mais.

 

Vives ainda, Mãe, sofrendo muitos trabalhos,

Já te assalta no mar onda maior e cruel.

Mas cobre Tua Face Mãe, ocultando o piedoso olhar:

Eis que a lança em fúria ataca pelo espaço leve,

Rasga o sagrado peito ao teu Filho já morto,

Tremendo a lança indiferente no Teu Coração.

 

Sem dúvida tão grande sofrimento foi à síntese,

Faltava acrescentá-lo a Tuas chagas!

Esta ferida cruel permaneceu com o suplício!

Tão penoso sofrimento este castigo guardava!

 

Com O querido Filho pregado a Cruz Tu querias

Que também pregassem Teus pés e mãos virginais.

Ele tomou para Si a dura Cruz e os cravos,

E deu-Te a lança para guardar no Coração.

 

Agora podes, ó Mãe, descansar, que possui o desejado,

A dor mudou para o fundo do Teu Coração.

Este golpe deixou o Teu corpo frio e desligado,

Só Tu compassiva guarda a cruel chaga no peito.

 

Ó chaga sagrada feita pelo ferro da lança,

Que imensamente nos faz amar o Amor!

Ó rio, fonte que transborda do Paraíso,

Que intumesce com água fartamente a terra!

 

Ó caminho real com pedras preciosas, porta do Céu,

Torre de abrigo, lugar de refúgio da alma pura!

Ó rosa que exala o perfume da virtude Divina!

Joia lapidada que no Céu o pobre um trono tem!

 

Doce ninho onde as puras pombas põem ovinhos,

E as castas rolas têm garantia de suster os filhotinhos!

Ó chaga, que és um adorno vermelho e esplendor,

Feres os piedosos peitos com divinal amor!

 

Ó doce chaga, que repara os corações feridos,

Abrindo larga estrada para o Coração de Cristo.

Prova do novo amor que nos conduz a união!

Porto do mar que protege o barco de afundar!

 

Em Ti todos se refugiam dos inimigos que ameaçam:

Tu, Senhor, és medicina presente a todo mal!

Quem se acabrunha em tristeza, em consolo se alegra:

A dor da tristeza coloca um fardo no coração!

 

Por Ti Mãe, o pecador está firme na esperança,

Caminhar para o Céu, lar da bem-aventurança!

Ó Morada de Paz! Canal de água sempre vivo,

Jorrando água para a vida eterna!

 

Esta ferida do peito, ó Mãe, é só Tua,

Somente Tu sofres com ela, só Tu a podes dar.

Dá-me acalentar neste peito aberto pela lança,

Para que possa viver no Coração do meu Senhor!

 

Entrando no âmago amoroso da piedade Divina,

Este será meu repouso, a minha casa preferida.

No sangue jorrado redimi meus delitos,

E purifiquei com água a sujeira espiritual!

 

Embaixo deste teto que é morada de todos,

Viver e morrer com prazer, este é o meu grande desejo.



UM POUCO SOBRE JOSÉ DE ANCHIETA


José de Anchieta nasceu em San Cristóbal de La Laguna, 19 de março de 1534 e faleceu em Reritiba, 9 de junho de 1597 foi um padre jesuíta espanhol que ingressou na Companhia de Jesus no Reino de Portugal, ficando ao seu serviço, e um dos fundadores das cidades brasileiras de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Foi o primeiro dramaturgo, o primeiro gramático e o primeiro poeta nascido nas Ilhas Canárias. Foi o autor da primeira gramática da língua tupi e um dos primeiros autores da literatura brasileira, para a qual compôs inúmeras peças teatrais e poemas de teor religioso e uma epopeia. 

Considerado santo pela Igreja Católica, foi beatificado em 1980 pelo papa João Paulo II e canonizado em 2014 pelo papa Francisco. É conhecido como o Apóstolo do Brasil, por ter sido um dos pioneiros na introdução do cristianismo no país. Em abril de 2015 foi declarado copadroeiro do Brasil na 53.ª Assembleia Geral da CNBB. É o patrono da cadeira de número um da Academia Brasileira de Música. Em 2010 seu nome foi inscrito no Livro de Aço dos heróis nacionais do Brasil depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves. Em 2014 foi declarado padroeiro dos catequistas.





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