O
Poema da Virgem Maria, composto por Anchieta, foi escrito na areia da praia
durante o período que permaneceu refém dos índios em Iperoig, hoje cidade de
Ubatuba, durante uma negociação de paz. Com mais de seis mil estrofes é, ainda
hoje, o maior poema mariano já escrito. As marcas na areia da praia eram sinal
da sua consagração à Imaculada Mãe de Deus e da sua confiança filial na
proteção materna da Virgem Maria. Pois, as fortes ameaças e tentações sofridas
no período de cativeiro fizeram-no se entregar ainda mais à devoção mariana. A
seguir leia um pouco do poema.
A
COMPAIXÃO E O PRANTO DA VIRGEM NA MORTE DO FILHO
Minha
alma, por que tu te abandonas ao profundo sono?
Por que
no pesado sono, tão fundo ressonas?
Não te
move à aflição dessa Mãe toda em pranto,
Que a
morte tão cruel do Filho chora tanto?
E cujas
entranhas sofrem e se consome de dor,
Ao ver,
ali presente, as chagas que Ele padece?
Em
qualquer parte que olha, vê Jesus,
Apresentando
aos teus olhos cheios de sangue.
Olha
como está prostrado diante da Face do Pai,
Todo o suor
de sangue do seu corpo se esvai.
Olha a
multidão se comporta como Ele se ladrão fosse,
Pisam-NO
e amarram as mãos presas ao pescoço.
Olha,
diante de Anás, como um cruel soldado
O
esbofeteia forte, com punho bem cerrado.
Vê como
diante Caifás, em humildes meneios,
Aguenta
mil opróbrios, socos e escarros feios.
Não
afasta o rosto ao que bate, e do perverso
Que
arranca Tua barba com golpes violento.
Olha
com que chicote o carrasco sombrio
Dilacera
do Senhor a meiga carne a frio.
Olha
como lhe rasgou a sagrada cabeça os espinhos,
E o
sangue corre pela Face pura e bela.
Pois
não vês que seu corpo, grosseiramente ferido
Mal
susterá ao ombro o desumano peso?
Vê como
os carrascos pregaram no lenho
As
inocentes mãos atravessadas por cravos.
Olha
como na Cruz o algoz cruel prega
Os
inocentes pés o cravo atravessa.
Eis o
Senhor, grosseiramente dilacerado pendurado no tronco,
Pagando
com Teu Divino Sangue o antigo crime!
Vê:
quão grande e funesta ferida transpassa o peito, aberto
Donde
corre mistura de sangue e água.
Se o
não sabes, a Mãe dolorosa reclama
Para
si, as chagas que vê suportar o Filho que ama.
Pois
quanto sofreu aquele corpo inocente em reparação,
Tanto
suporta o Coração compassivo da Mãe, em expiação.
Ergue-te,
pois e, embora irritado com os injustos judeus
Procura
o Coração da Mãe de Deus.
Um e
outro deixaram sinais bem marcados
Do
caminho claro e certo feito para todos nós.
Ele aos
rastros tingiu com seu sangue tais sendas,
Ela o
solo regou com lágrimas tremendas.
A boa
Mãe procura, talvez chorando se consolar,
Se as
vezes triste e piedosa as lágrimas se entregar.
Mas se
tanta dor não admite consolação
É
porque a cruel morte levou a vida de sua vida,
Ao
menos chorarás lastimando a injúria,
Injúria,
que causou a morte violenta.
Mas onde
te levou Mãe, o tormento dessa dor?
Que
região te guardou a prantear tal morte?
Acaso
as montanhas ouvirão Teus lamentos?
Onde
está a terra podre dos ossos humanos?
Acaso
está nas trevas a árvore da Cruz,
Onde o
Teu JESUS foi pregado por Amor?
Esta
tristeza é a primeira punição da Mãe,
No
lugar da alegria, segura uma dor cruel,
Enquanto
a turba gozava de insensata ousadia,
Impedindo
Aquele que foi destruído na Cruz.
Mãe,
mas este precioso fruto de Teu ventre
Deu
vida eterna a todos os fieis que O amam,
E
prefere a magia do nascer à força da morte,
Ressurgindo,
deixou a ti como penhor e herança.
Mas
finda Tua vida, Teu Coração perseverou no amor,
Foi
para o Teu repouso com um amor muito forte!
O
inimigo Te arrastou a esta cruz amarga,
Que
pesou incomodo em Teu doce seio.
Morreu
Jesus traspassado com terríveis chagas
Ele,
formoso espírito, glória e luz do mundo;
Quanta
chaga sofreu e tantas Lhe causaram dores;
Efetivamente,
uma vida em vós era duas!
Todavia
conserva o Amor em Teu Coração, e jamais
Evidentemente
deixou de o hospedar no Coração,
Feito
em pedaços pela morte cruel que suportou
Pois à
lança rasgou o Teu Coração enrijecido.
O Teu
Espírito piedoso e comovido quebrou na flagelação,
A coroa
de espinhos ensanguentou o Teu Coração fiel.
Contra
Ti conspirou os terríveis cravos sangrentos,
Tudo
que é amargo e cruel o Teu Filho suportou na Cruz.
Morto
Deus, então porque vives Tu a Tua vida?
Porque
não foste arrastada em morte parecida?
E como
é que, ao morrer, não levou o Teu espírito,
Se o
Teu Coração sempre uniu os dois espíritos?
Admito,
não pode tantas dores em Tua vida
Suportar,
aguentando se não com um amor imenso;
Se não
Te alentar a força do nascimento Divino
Deixará
o Teu Coração sofrendo muito mais.
Vives
ainda, Mãe, sofrendo muitos trabalhos,
Já te
assalta no mar onda maior e cruel.
Mas
cobre Tua Face Mãe, ocultando o piedoso olhar:
Eis que
a lança em fúria ataca pelo espaço leve,
Rasga o
sagrado peito ao teu Filho já morto,
Tremendo
a lança indiferente no Teu Coração.
Sem
dúvida tão grande sofrimento foi à síntese,
Faltava
acrescentá-lo a Tuas chagas!
Esta
ferida cruel permaneceu com o suplício!
Tão
penoso sofrimento este castigo guardava!
Com O
querido Filho pregado a Cruz Tu querias
Que
também pregassem Teus pés e mãos virginais.
Ele
tomou para Si a dura Cruz e os cravos,
E
deu-Te a lança para guardar no Coração.
Agora
podes, ó Mãe, descansar, que possui o desejado,
A dor
mudou para o fundo do Teu Coração.
Este
golpe deixou o Teu corpo frio e desligado,
Só Tu
compassiva guarda a cruel chaga no peito.
Ó chaga
sagrada feita pelo ferro da lança,
Que
imensamente nos faz amar o Amor!
Ó rio,
fonte que transborda do Paraíso,
Que
intumesce com água fartamente a terra!
Ó
caminho real com pedras preciosas, porta do Céu,
Torre
de abrigo, lugar de refúgio da alma pura!
Ó rosa
que exala o perfume da virtude Divina!
Joia
lapidada que no Céu o pobre um trono tem!
Doce
ninho onde as puras pombas põem ovinhos,
E as
castas rolas têm garantia de suster os filhotinhos!
Ó
chaga, que és um adorno vermelho e esplendor,
Feres
os piedosos peitos com divinal amor!
Ó doce
chaga, que repara os corações feridos,
Abrindo
larga estrada para o Coração de Cristo.
Prova
do novo amor que nos conduz a união!
Porto
do mar que protege o barco de afundar!
Em Ti
todos se refugiam dos inimigos que ameaçam:
Tu,
Senhor, és medicina presente a todo mal!
Quem se
acabrunha em tristeza, em consolo se alegra:
A dor
da tristeza coloca um fardo no coração!
Por Ti
Mãe, o pecador está firme na esperança,
Caminhar
para o Céu, lar da bem-aventurança!
Ó
Morada de Paz! Canal de água sempre vivo,
Jorrando
água para a vida eterna!
Esta
ferida do peito, ó Mãe, é só Tua,
Somente
Tu sofres com ela, só Tu a podes dar.
Dá-me
acalentar neste peito aberto pela lança,
Para
que possa viver no Coração do meu Senhor!
Entrando
no âmago amoroso da piedade Divina,
Este
será meu repouso, a minha casa preferida.
No
sangue jorrado redimi meus delitos,
E
purifiquei com água a sujeira espiritual!
Embaixo
deste teto que é morada de todos,
Viver e
morrer com prazer, este é o meu grande desejo.
UM POUCO
SOBRE JOSÉ DE ANCHIETA
José de Anchieta nasceu em San Cristóbal de La Laguna, 19 de março de 1534 e faleceu em Reritiba, 9 de junho de 1597 foi um padre jesuíta espanhol que ingressou na Companhia de Jesus no Reino de Portugal, ficando ao seu serviço, e um dos fundadores das cidades brasileiras de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Foi o primeiro dramaturgo, o primeiro gramático e o primeiro poeta nascido nas Ilhas Canárias. Foi o autor da primeira gramática da língua tupi e um dos primeiros autores da literatura brasileira, para a qual compôs inúmeras peças teatrais e poemas de teor religioso e uma epopeia.
Considerado
santo pela Igreja Católica, foi beatificado em 1980 pelo papa João Paulo II e
canonizado em 2014 pelo papa Francisco. É conhecido como o Apóstolo do Brasil,
por ter sido um dos pioneiros na introdução do cristianismo no país. Em abril
de 2015 foi declarado copadroeiro do Brasil na 53.ª Assembleia Geral da CNBB. É
o patrono da cadeira de número um da Academia Brasileira de Música. Em 2010 seu
nome foi inscrito no Livro de Aço dos heróis nacionais do Brasil depositado no
Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves. Em 2014 foi declarado
padroeiro dos catequistas.
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