Edgar Morin - Antropólogo e filósofo.
A
Antropologia fundamental de Edgar Morin considera o homem como ser biológico e
cultural que reorganiza o ecossistema que o rodeia, produz saberes, acumula
experiências, desilusões, utopias, afetividades. Esses amplos pressupostos são sistematizados
a partir dos anos 1960 com as análises Da morte, magia, cinema,
comunicação. Os seis volumes de O
MÉTODO, escritos entre 1977-2004 – A NATUREZA DA NATUREZA, A VIDA DA VIDA, O
CONHECIMENTO DO CONHECIMENTO, AS IDEIAS, A HUMANIDADE DA HUMANIDADE, ÉTICA –
constituem um projeto inacabado a ser interpretado, criticado, ampliado, até
mesmo reescrito, como ele próprio sugere em A VIA PARA O FUTURO DA HUMANIDADE,
ensaio de 2011.
A
prática da conectividade, da convivialidade, da Transversalidade requer a
abertura da razão, a reforma do pensamento, a expansão da criatividade, a
extinção do medo do erro, a explicitação da revolta. Assumir esse desafio implica a rejeição de
qualquer tipo de certeza sobre o futuro do mundo. O destino do sapiens-demens é obra aberta, rio
majestoso, sereno e tempestuoso, ele reitera.
A reorganização e a religação dos saberes são sempre
biodegradáveis, jamais se convertem em
doutrinas fechadas. Há algo, porém, que
o distingue dos demais pensadores, expresso na intimidade de diários e ensaios
sobre o contemporâneo, a reforma da educação, o mal-estar na civilização.
Intelectuais
não costumam falar de si, adoram falar dos outros. Escondem-se sob a suposta autoridade de
conceitos, teorias, métodos. Diários,
cartas, rascunhos costuma ser disponibilizados após a morte. Geralmente escritos nos intervalos de
viagens, congressos, exílios, esses escritos confessionais desnudam a alma,
expõem a fragilidade que caracteriza nossa condição.
Alertas
de Edgar Morin são sempre incisivos nesses sombrios tempos de barbárie e de
estados de exceção com os quais nos defrontamos. Os desafios do século XXI exigem a construção
de uma cidadania mundial, uma política de civilização para a Terra-pátria,
texto de 1993.
A
universalidade de valores cosmopolitas nunca é obtida pela soma ou subtração de
interesses particulares, mas pela multiplicação de pulsões desejantes, guiadas
pelas quatro modalidades da consciência: antropológica, telúrica, ecológica,
cosmológica. Não apenas a ciência pode
dar conta deles, mas as artes, as literaturas e as espiritualidades em geral.
Precisamos,
porém, de muita paciência e revolta, para bater de frente nos poderes
instituídos. A reforma da educação exige
pensadores empenhados na construção de uma ética de valores universais que
contradiga relativismos e particularismos esclerosados. Ensinar a viver, célebre expressão de
Rousseau, se converte em palavra de ordem a ser reativada e recriada na sociedade
como um todo.
A tarefa
não se esgota por aí. É preciso caminhar por cidades sitiadas, universidades
sucateadas, sexualidades recalcadas, intolerâncias raivosas, corrupções
generalizadas, para que os dilemas sociais se mostrem como verdadeiramente são,
mesmo que essa missão seja penosa, custosa, por vezes desestimulante.
A
presença de Edgar Morin no Brasil exibe a força de suas ideias e utopias, mesmo
que a Universidade não lhes preste a devida atenção. Homenagens, títulos de honoris-causa, são
expressão do reconhecimento da obra e do homem.
A leitura atenta de seus escritos e entrevistas permitiria entender
muitos dos dilemas brasileiros atuais.
Três
homenagens recentes marcam minha vida: a primeira, por ocasião de seus 80 anos,
no plenário da UNESCO, em Paris, em julho de 2001. Em minha intervenção, destaquei a ressonância
de suas obras nesses tristes tópicos, a expansão de núcleos de estudos voltados
à leitura de sua obra.
A
segunda, também em Paris, em 2006, na Maison de I’Amérique Latine. A celebração de seu aniversário transcorreu
animada com mariachis que entoavam canções latino-americanas, pois tinha o
apoio da Multiversidade do mundo real, inspirada nos fundamentos da
complexidade. Edgar estava feliz por nos
ter por perto: seus amigos, seguidores e, também, críticos de sua obra.
A
terceira foi na PUC de São Paulo, em novembro de 2008, no TUCA, ao receber o
honoris causa. Coube a mim saudá-lo em nome de professores e alunos. No teatro, palco de muitas resistências a
poderes ditatoriais, reiterei a convicção de que a partir daquele momento a
Universidade passara a apostar na universalidade da cultura e na unidade do
humano. Aos 87 anos, em seu
agradecimento, confessou ser um eterno aprendiz, um caminhante sem caminho, um
herdeiro da utopia.
O
filósofo francês Edgar Morin fala sobre um dos temas que o tornou uma
influência mundial, a educação. Morin fala sobre a necessidade de estimular o
questionamento das crianças, sobre reforma no ensino e sobre a importância da
reflexão filosófica não tanto para que respostas sejam encontradas, mas para
fomentar a investigação e a pluralidade de possíveis caminhos.
Leia abaixo:
Leia abaixo:
O
senhor costuma comparar o nosso planeta a uma nave espacial, em que a economia,
a ciência, a tecnologia e a política seriam os motores, que atualmente estão
danificados. Qual o papel da educação nessa espaçonave?
Ela
teria a função de trazer a compreensão e fazer as ligações necessárias para
esse sistema funcionar bem. Uso o verbo no condicional porque acho que ela ainda
não desempenha esse papel. O problema é que nessa nave os relacionamentos são
muito ruins. Desde o convívio entre pais e filhos, cheio de brigas, até as
relações internacionais basta ver o número
de guerras que temos. Por isso é preciso lutar para a melhoria dessas relações.
O que é
preciso mudar no ensino para que o nosso planeta, ou a nave, entre em órbita?
Um dos
principais objetivos da educação é ensinar valores. E esses são incorporados
pela criança desde muito cedo. É preciso mostrar a ela como compreender a si
mesma para que possa compreender os outros e a humanidade em geral. Os jovens
têm de conhecer as particularidades do ser humano e o papel dele na era
planetária que vivemos. Por isso a educação ainda não está fazendo sua parte. O
sistema educacional não incorpora essas discussões e, pior, fragmenta a
realidade, simplifica o complexo, separa o que é inseparável, ignora a
multiplicidade e a diversidade.
As
disciplinas como estão estruturadas só servem para isolar os objetos do seu
meio e isolar partes de um todo. Eliminam a desordem e as contradições
existentes, para dar uma falsa sensação de arrumação. A educação deveria romper
com isso mostrando as correlações entre os saberes, a complexidade da vida e
dos problemas que hoje existem. Caso contrário, será sempre ineficiente e
insuficiente para os cidadãos do futuro.
Na
prática, de que forma a compreensão e a condição humana podem estar presentes
em um currículo?
Ora, as
dúvidas que uma criança tem são praticamente as mesmas dos adultos e dos
filósofos. Quem somos, de onde viemos e para que estamos aqui? Tentar responder
a essas questões, com certeza, vai instigar a curiosidade dos pequenos e
permitir que eles comecem a se localizar no seu espaço, na comunidade, no mundo
e a perceber a correlação dos saberes.
Mas uma
pergunta como “quem somos?” não é fácil de responder.
E não
precisa ser respondida. É a investigação e a pluralidade de possíveis caminhos
que tornam o assunto interessante. Podemos ir pelo social, somos indivíduos,
pertencentes a determinadas famílias, que estão em certa sociedade, dentro de
um mundo que tem passado, história. Todos temos um jeito de ser, um perfil
psicológico que também dá outras informações sobre essa questão. Mas também
somos seres feitos de células vivas, entramos na biologia, que são formadas por
moléculas, temos então a
química. Todas essas moléculas são constituídas por átomos que vieram de
explosões estelares ocorridas há milhões de anos… E assim por diante. Sempre
instigando a curiosidade e não a matando, como frequentemente faz a escola.
Como
temas tão profundos podem ser tratados sem que a aula fique chata?
É só
não deixar enjoativo o que é por natureza passional. Um jornal francês de
literatura fez uma pesquisa entre os alunos e descobriu que até os 14 anos os
jovens gostam de ler e leem muito. Quando vão para o liceu, leem menos. É
verdade que eles começam a sair mais de casa e ter outros interesses, mas um
dos principais motivos é que os professores tornam a literatura chata,
decupando-a em partes pequenas e analisando minuciosamente o seu vocabulário,
em vez de dar mais valor ao sentido do texto, à sua ação. Nada mais passional
do que um romance, nada tão maravilhoso quanto a poesia! Nada retrata melhor a
problemática humana do que as grandes obras literárias. Os saberes não devem
assassinar a curiosidade. A educação deve ser um despertar para a filosofia,
para a literatura, para a música, para as artes. É isso que preenche a vida.
Esse é o seu verdadeiro papel.
A
literatura e as artes deveriam ter mais destaque no ensino?
Sem
dúvida. Elas poderiam se constituir em eixos transdisciplinares. Pegue-se
Guerra e Paz, de Tolstoi, por exemplo. O professor de Literatura pode pedir a
seu colega de História para ajudá-lo a situar a obra na história da Rússia.
Pode solicitar a um psicólogo, da escola ou não, que converse com a classe
sobre as características psicológicas dos personagens e as relações entre eles;
a um sociólogo que ajude na compreensão da organização social da época. Toda
grande obra de literatura tem a sua dimensão histórica, psicológica, social,
filosófica e cada um desses aspectos traz esclarecimentos e informações
importantes para o estudante. Todo país tem suas grandes obras e certamente
também os clássicos universais servem para esse fim.
O
professor deve buscar sempre o trabalho interdisciplinar?
Ele
deve ter consciência da importância de sua disciplina, mas precisa perceber
também que, com a iluminação de outros olhares, vai ficar muito mais
interessante. O professor pode procurar ter essa cultura menos especializada,
enquanto não existir uma mudança na formação e na organização dos saberes. O
professor de Literatura precisa conhecer um pouco de história e de psicologia,
assim como o de Matemática e o de Física necessitam de uma formação literária.
Hoje existe um abismo entre as humanidades e as ciências, o que é grave para as
duas. Somente uma comunicação entre elas vai propiciar o nascimento de uma nova
cultura, e essa, sim, deverá perpassar a formação de todos os profissionais.
Como o
professor vai aprender a trabalhar de forma conjunta?
Ele vai
se autoformar quando começar a escutar os alunos, que são os porta-vozes de
nossa época. Se há desinteresse da classe, ele precisa saber o porquê. É dessa
postura de diálogo que as novas necessidades de ensino vão surgir. Ao professor
cabe atendê-las.
Como
acontece uma grande reforma educacional?
Nenhuma mudança é feita de uma só vez. Não
adianta um ministro querer revolucionar a escola se os espíritos não estiverem
preparados. A reforma vai começar por uma minoria que sente necessidade de
mudar. É preciso começar por experiências pilotos, em uma sala de aula, uma
escola ou uma universidade em que novas técnicas e metodologias sejam
utilizadas e onde os saberes necessários para uma educação do futuro componham
o currículo. Teríamos, desde o começo da escolarização, temas como a
compreensão humana; a época planetária, em que se buscaria entender o nosso
tempo, nossos dilemas e nossos desafios; o estudo da condição humana em seus
aspectos biológicos, físicos, culturais, sociais e psíquicos. Dessa forma
começaríamos a progredir e finalmente a mudar.
Como
tratar temas tão profundos como o estudo da condição humana nos diversos níveis
de ensino?
Os
professores polivalentes da escola primária são os ideais para tratar desses
assuntos. Por não serem especialistas, têm uma visão mais ampla dos saberes.
Eles podem partir da problemática do estudante e fazer um programa de ensino
cheio de questões que partissem do ser humano. O polivalente pode mostrar aos
pequenos como se produz a cultura da televisão e do videogame na qual eles
estão imersos desde muito cedo. Já a escola que trabalha com os jovens deve
dedicar-se à aprendizagem do diálogo entre as culturas humanísticas e
científicas. É o momento ideal para o aluno conhecer a história de sua nação,
situar-se no futuro de seu continente e da humanidade. Às universidades caberia
a reforma do pensamento, para permitir o uso integral da inteligência.
Edgar Morin
Fonte:
Primeiro
Texto: Por: Edgar de Assis Carvalho/Consultor do Núcleo de Estudos da
Complexidade, Titular de Antropologia PUC/SP em 2 de julho de 2016.
Segundo texto:
Revista Nova Escola | Fronteiras do Pensamento.
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