1 de agosto de 2017

A IDADE MÉDIA NA CIRANDA POPULAR DA PRAÇA. TEXTO DA ESCRITORA DALMA NASCIMENTO.

 
A IDADE MÉDIA
NA CIRANDA POPULAR DA PRAÇA
 
 
Texto de Dalma Nascimento
 
 


 
 
Na perfeita interlocução de música, dança e efeitos teatrais circenses, a Idade Média despediu-se de Niterói, domingo último, aclamada pelo público que lotou o jardim da Reitoria da UFF. Encerrou-se assim o "Festival Conexões Musicais” com fecho de ouro e a multidão demonstrando que a praça é mesmo do povo. Se Castro Alves, na Bahia do século XIX, tivesse sido convidado, ele vibraria com o poder do povo na praça, num Brasil tão conturbado. Mas mudaria parte de seus versos. O céu não é mais do condor, mas do drone que, soberano, assumiu o espaço e de cima fotografou a festa. Em flashes circulantes, o drone captou a esfuziante atmosfera coletiva da feira para o arquivo da memória oficial. O público, maravilhado, tirava fotos com o celular. A câmera jornalística de Alberto Araújo documentava as emoções do dia, e a de Cris Silva Costa também.
 
Foi um domingo de beleza visual e encantamento auditivo, além do sortilégio das danças medievais. Músicas folclóricas bem populares ou o tom palaciano dos menestréis e trovadores medievais fascinaram nas interpretações da Banda regida por Mario Orlando e do Coral da UFF sob a batuta de Marcio Selles. Este, fantasiado de curinga, foi o mestre de cerimônia do espetáculo. Com veste multicolorida e gorro de bicos pontudos com guizos nas pontas, ele encarnou o diabrete medieval, estereótipo do carnaval e da folia. O público vibrou quando Marcio regeu o Coral da UFF na toada africana e, na música seguinte, de raízes nordestinas.
 
Aliás, muitos foram os momentos pontuais dessa festa medieval. Consigno apenas alguns. Dentre eles, a interpretação de árias da época na bela voz da cantora Brigitta Grundig; o desempenho das equilibristas da trupe do Circo do Porto, circulando sobre pernas de pau entre o povo; a participação do artista malabarista Fábio Melo, a ensinar os presentes a caminhar sobre aquele artifício de madeira. Ao mesmo tempo, com hábil desempenho corporal, ele representava os funâmbulos medievos que seduzem, ainda hoje nosso imaginário. A batalha viking também eletrizou a plateia.
 
Barracas circundavam o gramado com brasões, estandartes e demais signos medievos. Outras, com comidas, bebidas e objetos do contexto. Ah! havia livros, “livros à mancheia”, como proclamara Castro Alves em O livro e a América: “Ó bendito o que semeia livros à mancheia e manda o povo pensar”. Eu, na minha banca, senti-me semeando livros, com o Idade Média: contexto, celtas, mulher, Carmina Burana e ressurgências atuais. Desconhecidos e amigos me visitaram. Revi alguns distantes no tempo. Novos entraram para a minha lista: Noely Denizot e Fábio Melo, que muito me honraram.
 
Com emoções concomitantes, a música enfeitiçava-me. Contaminada pelo ritmo, eu deixava a emoção fluir, sobretudo quando o som do tambor vibrante da musicista Lenora Mendes entrava em cena. Para coroar esse evento interativo, formou-se no jardim da Reitoria a grande roda de ressonâncias medievais, comandada pelo cirandeiro-mor Mario Orlando, membro do grupo da “Música antiga da UFF", além de exímio dançarino e regente. Vestido a caráter, ele convidava o público a entrar na roda e cada vez mais o círculo se ampliava. Estuante happing, em que diversas idades se deram as mãos.
 
Aquele visual cênico levou-me a pensar.
 
Primeiro: lembrei-me das efusões folclóricas do povo medieval na época das cirandas do prado. Quando o ciclo da natureza mudava o calendário, os camponeses reunidos dançavam em roda no meio do campo. Anunciavam assim a partida do rigoroso inverno, e saudavam a primavera, já com brotos e tufos na relva a surgirem, como se um novo mundo estivesse nascendo.
Segundo: ao presenciar a simbólica reunião de seres de diferentes raças, credos, saberes e idades, sem preconceitos e disputas, rodando, felizes na praça, pensei no poema de Paul Fort (1922-1958) “La ronde autour du monde" (A ronda/roda em torno do mundo) da obra Ballades françaises (Baladas francesas). Nele, o poeta simboliza o desejo de que todos entrem na Grande Roda da harmonia entre os povos. 
  
Se todas as jovens do mundo quisessem dar sua mão, em torno do mar, elas poderiam fazer uma ronda.
 
Se todos os rapazes do mundo quisessem ser marinheiros, eles fariam com suas barcas uma bela ponte sobre as ondas.
 
Então, poder-se-ia fazer uma roda em torno do mundo se todas as pessoas do mundo quisessem dar-se as mãos.
Agora, meus cumprimentos a todos - do mais simples funcionário ao mais graduado - pelo brilhantismo do acontecimento. Aplausos aos dois músicos Deivison Branco e Sérgio Barrenechea pela direção do espetáculo. Contudo, espero que a longínqua Idade Média saia de novo das brumas dos séculos e volte a circular com o povo de Niterói, na praça, porque ela é mesmo do povo, como versejara Castro Alves.
 
 
 
Artefatos do período medieval.
 
 
Livros da escritora Dalma Nascimento
e artefatos da Idade Média ilustram a mesa do evento.
 




Dalma Nascimento e Sergio Caldieri

Dalma Nascimento e Leonila Maria Murinelly Lima

Renato Augusto Farias de Carvalho e Dalma Nascimento


Dalma Nascimento e Marcio Selles

Dançarinos posam para fotógrafos.
 
 
 


 

 
 
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Senti-me em pleno século XIV, às voltas com os mistérios e as cores da idade média, sonhando, acordado. No olhar das pessoas, a alegria de uma visita inusitada à época heroica.

 Para quem não esteve lá, o relato de Dalma Nascimento descreve o brilho da fantasia medieval e a mágica de um inesquecível domingo na praça.
 
 
Luiz Carlos Lemme
Poeta e Presidente
do Instituto Esquina da Arte.
 
 
 
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Maravilha. Maravilha.
A Idade média foi uma época de saberes,lendas e prodígios. Tempos inolvidáveis do Rei Artur, menestréis, trovadores e juridicamente, a primeira Magna Carta, da qual temos notícias, que nos foi dada pelo filho de Alienor da Aquitânia e que foi a semente do chamado Mandado de Segurança. Viva, Viva a Idade Média!
 
Matilde.
 
 
Matilde Carone Slaibi Conti
é acadêmica, escritora e presidente
do Cenáculo Fluminense de História e Letras.
 
 
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2 comentários:

Unknown disse...

Senti-me em pleno século XIV, às voltas com os mistérios e as cores da idade média, sonhando, acordado. No olhar das pessoas, a alegria de uma visita inusitada à época heroica.
Para quem não esteve lá, o relato de Dalma Nascimento descreve o brilho da fantasia medieval e a mágica de um inesquecível domingo na praça.

Matilde disse...

Maravilha. Maravilha.
A Idade média foi uma época de saberes,lendas e prodígios. Tempos inolvidáveis do Rei Artur, menestréis, trovadores e juridicamente, a primeira Magna Carta, da qual temos notícias, que nos foi dada pelo filho de Alienor da Aquitânia e que foi a semente do chamado Mandado de Segurança. Viva, Viva a Idade Média!