16 de novembro de 2014

O MENINO QUE CARREGAVA ÁGUA NA PENEIRA POR MANOEL DE BARROS.





O MENINO QUE CARREGAVA
ÁGUA NA PENEIRA



 
Tenho um livro sobre águas e meninos.
Gostei mais de um menino que carregava água na peneira.

A mãe disse que carregar água na peneira
era o mesmo que roubar um vento
e sair correndo com ele para mostrar aos irmãos.

A mãe disse que era o mesmo que catar espinhos na água
O mesmo que criar peixes no bolso.

O menino era ligado em despropósitos.
Quis montar os alicerces de uma casa sobre orvalhos.
A mãe reparou que o menino gostava
mais do vazio do que do cheio.

Falava que os vazios são maiores e até infinitos.
Com o tempo aquele menino que era cismado e esquisito
porque gostava de carregar água na peneira





Com o tempo descobriu que escrever seria o mesmo
que carregar água na peneira.

No escrever o menino viu que era capaz de ser
noviça, monge ou mendigo ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.

E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de interromper o voo
de um pássaro botando ponto final na frase.
Foi capaz de modificar a tarde
botando uma chuva nela.




O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor!


A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta.
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios com as suas peraltagens
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos.


Manoel de Barros





Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá no dia 19 de dezembro de 1916  e faleceu em Campo Grande, 13 de novembro de 2014.

Foi um poeta brasileiro do século XX, pertencente, cronologicamente à Geração de 45, mas formalmente ao pós-modernismo brasileiro, situando-se mais próximo das vanguardas europeias do início do século e da Poesia Pau-Brasil e da Antropofagia de Oswald de Andrade.

Recebeu vários prêmios literários, entre eles, dois Prêmios Jabutis.
É o mais aclamado poeta brasileiro da contemporaneidade nos meios literários. Enquanto ainda escrevia, Carlos Drummond de Andrade recusou o epíteto de maior poeta vivo do Brasil em favor de Manoel de Barros.  Sua obra mais conhecida é o "Livro sobre Nada" de 1996.

Característica marcante da poesia de Manoel de Barros é o uso de vocabulário coloquial-rural e de uma sintaxe que remete diretamente à oralidade, ampliando as possibilidades expressivas e comunicativas do seu léxico através da formação de palavras novas (neologismos). Assim, pelo uso que Manoel de Barros faz da língua escrita reproduzindo e desenvolvendo o legado da oralidade em todos os seus níveis, seu trabalho tem sido muitas vezes comparado ao de Guimarães Rosa, muitos referindo-se ao poeta como "o Guimarães Rosa da poesia". "Desde Guimarães Rosa a nossa língua não se submete a tamanha instabilidade semântica", teria dito o poeta Geraldo Carneiro a seu respeito.

Pode-se dizer que Manoel de Barros, na poesia, tal como Guimarães Rosa na prosa, teria desenvolvido às últimas consequências aquilo que Oswald de Andrade expressava, programaticamente, em seu Manifesto Antropófago.

Talvez, por todas essas características, ele próprio definiu sua arte como "vanguarda primitiva", tendo consciência da sua relação com as vanguardas e o modernismo brasileiro, principalmente o de Oswald de Andrade, vivenciada junto à natureza. Manoel de Barros nunca se afasta do "vanguardismo primitivista"(ver primitivismo), como se pode notar pelo título "Poesia Rupestre" (2004), ganhador de vários prêmios literários de repercussão em todo o Brasil.

ALGUNS LIVROS PUBLICADOS:

Livro de pré-coisas
O guardador das águas
Gramática expositiva do chão: Poesia quase toda
Concerto a céu aberto para solos de aves
O livro das ignorãças
Livro sobre nada
Águas
Para encontrar o azul eu uso pássaros
Menino do Mato
Poesia Completa
Escritos em verbal de ave






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Clicar na imagem para ouvir a música
fundo musical desta postagem.





...E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão...

Chico Buarque




9 comentários:

Belvedere Bruno disse...

O Poeta das Simplicidades fez seu voo pleno de luminosidade.

Renato Farias de Carvalho disse...

A poesia de Manoel de Barros é extremamente culta e sólida. Essa aparência frágil, doce, quer dizer, de fato, simplicidade: entretanto se faz tão nobre e múltipla como uma natural ação da incógnita natureza de Deus. Desde moço a história pessoal do
poeta mostra a sua perplexidade a respeito das coisas erradas colocadas à toa neste mundo. Manoel estudou muito para inventar a sua simplicidade linguística. Para percebê-lo acho que é preciso colocar o coração no interior mais abstrato do nosso cenário humano.
Manoel leva consigo esse conceito poético mais profundo do que um grande curso de mestrado poético, ou lá o que seja ... Quem somos nós para avançar na teoria criativa desse poeta que transforma a língua em voo de pássaro, riacho, água corrente em leito apenas sonhado e descobre o seu azul particular na " imensidão " pequenininha da sua escolha formal e pensada , ou seja , poesia plena , absoluta , escorregando beleza e auto conceitos sobre quaisquer bobagens , feito estas que estou a dizer . Todos nós comemoramos a grande alegria de termos tido a sorte de conhecer a sábia e suculenta
linguagem de um grande poeta.
Caro Alberto, muito obrigado pelo envio.

Abraço e cumprimentos.
Renato Augusto de Carvalho – escritor

Rita Magnago - jornalista e escritora disse...

Obrigada, Alberto.
Bela postagem.

Abraços,
Rita



Rita Magnago - jornalista e escritora

Myriam Ramos - escritora e pintora disse...

"O menino que carregava água na peneira" é um D. Quixote a acreditar no vazio das plenas ilusões.

Myriam Ramos




Myriam Ramos, escritora e pintora:

Dalma Nascimento - escritora e doutora em Literatura Comparada disse...

Prezado Alberto Araújo,

O poema "O menino que carregava água na peneira", inserido no livro infantojuvenil "Exercícios de ser criança", celebrizou-se na literatura brasileira pela profunda mensagem. É um metapoema, isto é, um poema cujo tema é a própria explicação da arte de fazer versos. Apesar de este texto conter um sentido metafísico, está construído com palavras simples, bem cotidianas na lúdica linguagem "infantil", embora se refira à alta dimensão do que é a Poesia.
Em "O menino que carrega água da peneira", Manoel de Barros mostra, com uma sequência de metáforas, que a verdadeira Poesia se localiza nas frinchas, nas dobras, nos hiatos do discurso literário. Ou seja, no que se encontra "atrás das palavras", no que "não é dito", no que" não pode ser dito" porque escorre, mas que, no entanto, sustenta a força daquilo que o poema, veladamente, quis dizer. E fala, diz, nas entrelinhas.
A verdadeira Poesia reside, pois, naquele fluido "vazio-pleno" que transborda e se abre ao infinito, caindo da peneira. É a água encantada que o leitor sensível vislumbra, sente, mas que se esvai, ao tentar prendê-la. Todavia, esta fugaz percepção do fluxo líquido – contrariando o pensamento do atual filósofo Zigmund Baumam –, permanece na alma do leitor. Ali, exatamente ali, na plenitude do "vazio líquido", segundo a metáfora, verdadeira alegoria de Manoel de Barros, é que se entranha a "plena essência" do ato poético.

Já que a linguagem literária abre-se a muitas significações e leituras, neste poema também ressoa, transfigurado, o conhecido episódio de Santo Agostinho ao meditar na praia sobre o mistério da Santíssima Trindade. Nisso, ele vê um menino que, com um balde, tenta encher um buraco na areia. Interrogado pelo Santo, o garoto respondeu-lhe ser mais fácil colocar toda a água do mar dentro do buraco que o homem conseguir entender o mistério da Santíssima Trindade. Com as devidas adequações e intertextualidades, este também é o sagrado mistério da Poesia.

Dalma Nascimento



Dalma Nascimento,
escritora e doutora em Literatura Comparada.

LUIZ CALHEIROS - ESCRITOR disse...

A poesia em prosa do Manoel de Barros é profundamente simples. É muito em pouco.
A amiga Dalma Nascimento, esta cultíssima professora e escritora, fez excelente comentário
a respeito do poeta falecido recentemente. O Alberto Araujo soube aproveitar a chance de
publicar o assunto. Parabéns a ambos.

Luiz Calheiros.



Luiz Calheiros - escritor

Unknown disse...

Manoel de Barros, que recentemente transitou através da Peneira da Existência, deixa-nos o seu legado em código linguístico para viver em essência...

NORBERTO BOECHAT - MÉDICO GERIATRA E ESCRITOR disse...

Caro Alberto, a peneira filtra. Dois lados.
Em um deles, fica o grosseiro de luminosas pedrinhas.
No outro, espraia-se a essência.
Ambos constroem a Poesia.

Norberto Boechat.



Norberto Boechat
escritor e médico geriatra.

FOCUS PORTAL CULTURAL disse...

Prezados escritores amigos deste Blog,


É uma honra receber suas apreciações nas páginas deste periódico on-line. Gostei muito dos vários comentários sobre o poema de Manoel de Barros - "O menino que carregava água na peneira".

Cada um enviou uma mensagem pessoal, demonstrando o que o poema disse a seus corações. Todos se expressaram com palavras corretas e fieis ao texto. Alguns mencionaram a importância do poeta Manoel de Barros nas letras nacionais, valorizando o grande mestre da poesia brasileira que recentemente nos deixou.

Portanto, aceitem, caros amigos intelectuais, meus agradecimentos e parabéns pelas competentes análises. Obrigado pelas valiosas participações nesta postagem, que muito me honraram. Espero que continuem a abrilhantar com seus comentários este Blog, cujo objetivo maior é divulgar a cultura de Niterói.

Estarei sempre à espera de que todos juntos, com nossos interesses intelectuais, possamos ainda mais elevar o nome desta cidade.Contem sempre com este Blog.

Alberto Araújo,
diretor