Em
Onano, terra simples,
no
dia em que o mundo celebra a luz,
nasceu
Natalina.
Mas
o destino a vestiu de outro nome: Lina.
A
voz, cedo descoberta, um rio a fluir,
forçada
ao aprendizado,
e
a sombra do mestre, a flor roubada.
Alessandro,
único laço, raiz fincada em seu ventre.
Mãe-ilha,
seu porto seguro.
Roma
a viu menina-prodígio,
a
voz que encanta, o gesto que prende.
Nápoles
acenou com seus teatros vibrantes.
Paris...
Ah, Paris da Belle Époque!
Folies
Bérgères, o palco da metamorfose.
Lina,
estrela ascendente, corpo e alma a irradiar beleza.
Símbolo
de uma era de sonhos e art nouveau.
O
século novo a elevou ao Olimpo da lírica.
Ao
lado dos titãs Caruso, Tamagno,
sua
voz ecoou em teatros do mundo.
Nova
York, o Met, a consagração.
A
diva internacional, farol para os homens,
mito
sussurrado entre as mulheres.
A
tela prateada a seduziu, novo palco de ilusões.
O
cinema a acolheu como deusa.
Mas
a arte, por vezes, cansa a alma inquieta.
Aos
quarenta e poucos, o adeus sereno.
"Aposento-me
sem pânico", disse ela,
da
corrida ruidosa.
Paris
a reviu, não mais cantora, não mais atriz.
Empresária
da beleza, salão elegante.
Rosto
a estampar cremes, testemunha de um tempo.
Palmolive,
o aroma da fama.
E
a vida privada... um turbilhão de afetos.
Príncipes,
milionários, artistas.
Casamentos
breves, paixões intensas.
O
russo ciumento, o americano fortunado,
o
tenor francês, o herdeiro italiano.
O
amor, labirinto de encontros e desencontros.
A
guerra, sombra longa sobre a Europa.
Lina,
outrora diva, veste a farda da enfermeira.
A
beleza a serviço da dor.
Florença,
1944.
O
céu vomita fogo, a terra treme.
Sob
o bombardeio, o fim trágico.
Uma
nota breve, anônima, a anunciar sua partida.
Oceanos
de tinta a celebrar a vida,
um
sussurro para a morte.
Mas
no testamento, a memória da infância pobre.
O
gesto nobre, a doação generosa.
Cem
mil liras, um tesouro para jovens vozes.
A
Academia de Santa Cecília, o legado musical.
Que
a lembrem, não só pelo rosto de Vênus,
mas
pelo coração que soube partilhar a luz.
Lina
Cavalieri.
Um
meteoro de beleza e talento.
O
eco de um século que sonhou com a eternidade.
E
em cada nota suspensa no ar,
em
cada imagem desbotada,
reside
a força de sua passagem fugaz.
A
mulher mais linda do mundo,
e
muito mais que isso.
Uma
história gravada no tempo,
sem
a métrica fácil da rima,
mas
com a força bruta da vida que pulsa.
©
Alberto Araújo
O METEORO DE BELEZA E TALENTO CHAMADO LINA CAVALIERI
Ela incandesceu a Belle Époque, cativou corações e fez suspirar o mundo. Lina Cavalieri, nascida Natalina em um humilde Natal de 1874, em Onano, foi muito mais do que o epíteto de "a mulher mais linda do mundo" que lhe conferiu D'Annunzio. Sua trajetória, um verdadeiro conto de fadas da vida real, entrelaçou o brilho dos palcos com a turbulência de paixões e a força de uma mulher à frente de seu tempo.
Desde cedo, a voz melodiosa de Lina prenunciava um destino artístico. Incentivada pela mãe, teve aulas de canto, mas a inocência juvenil foi precocemente interrompida, resultando no nascimento de seu único filho, Alessandro, a quem criou com independência e profundo afeto.
Aos 15 anos, Roma testemunhou a estreia de um talento fulgurante. Sua voz encantadora e a graça de sua presença cênica logo a transportaram para os palcos vibrantes de Nápoles e, em seguida, para a efervescente Paris. No Folies Bérgères, Lina Cavalieri ascendeu rapidamente ao panteão dos símbolos da Belle Époque francesa, irradiando beleza e talento.
O novo século a consagrou como uma estrela lírica de calibre mundial, dividindo o palco com lendas como Enrico Caruso e Francesco Tamagno. Sua chegada ao Metropolitan Opera de Nova York consolidou seu status de diva internacional, um sonho para os homens e um ícone para as mulheres da época.
Em
1914, no auge de sua fama teatral, Lina surpreendeu o público ao trocar os
palcos pelas telas de cinema, onde também brilhou intensamente. Contudo, em
1921, aos 47 anos, despediu-se das câmeras com uma declaração marcante:
"Eu me aposento da arte sem pânico depois de uma corrida, talvez muito
barulhenta".
Longe de se recolher, Lina demonstrou sua visão empreendedora ao abrir um salão de beleza em Paris e tornar-se garota-propaganda de marcas renomadas como Palmolive, provando que sua influência transcendia os palcos e as telas.
Sua vida amorosa, tão fascinante quanto sua carreira, foi marcada por múltiplos casamentos. De um príncipe russo consumido pelo ciúme a um milionário americano, passando por um colega de palco francês e o herdeiro de uma famosa companhia de bebidas, Lina viveu paixões intensas e construiu uma considerável fortuna.
Após se afastar definitivamente da vida pública, o destino pregou uma peça trágica. Em 9 de março de 1944, Lina Cavalieri faleceu em Florença, vítima dos bombardeios aliados. Sua morte, ironicamente, recebeu apenas uma breve menção anônima, contrastando com os rios de tinta que celebraram sua vida.
No entanto, a generosidade de Lina perdurou. Em seu testamento, a diva, que conheceu a pobreza na juventude, destinou uma quantia significativa à Academia de S. Cecília para a criação de bolsas de estudo para jovens talentosas sem recursos, garantindo que sua memória fosse associada não apenas à sua beleza estonteante, mas também à sua nobreza de espírito. Lina Cavalieri, um meteoro de beleza e talento que iluminou o mundo e deixou uma marca indelével na história.
Carreira
Sua estreia operística ocorreu em 1900, em Lisboa, no papel de Nedda na ópera Pagliacci.
Em 1904, cantou na Ópera de Monte Carlo e, em 1905, no Teatro Sarah Bernhardt em Paris, atuando ao lado de Enrico Caruso na ópera Fedora.
Sua estreia no Metropolitan Opera de Nova York aconteceu em 1906, também com Fedora e novamente contracenando com Caruso.
Permaneceu no Metropolitan Opera por duas temporadas, cantando novamente com Caruso em Manon Lescaut, de Puccini, em 1907.
Além de sua carreira operística, Lina Cavalieri também atuou em filmes, principalmente durante a Primeira Guerra Mundial. Alguns de seus filmes incluem Manon Lescaut (1914), The Eternal Temptress (1917) e The Two Brides (1919). A maioria de seus filmes é considerada perdida.
Mesmo após se aposentar dos palcos e do cinema, Lina manteve uma ligação com o mundo artístico e a beleza, abrindo um salão de beleza em Paris e lançando sua própria linha de cosméticos e produtos de beleza. Ela escreveu um livro sobre seus segredos de beleza em 1914, intitulado "My Secrets of Beauty".
Perdeu os pais aos 15 anos e viveu em um orfanato católico antes de fugir com um grupo teatral. Teve um filho, Alessandro, fruto de um relacionamento precoce. Casou-se quatro vezes: com o príncipe russo Alexander Bariatinsky, com o milionário americano Robert Winthrop Chanler, com o tenor francês Lucien Muratore e com Giovanni Campari, herdeiro da companhia de bebidas Campari.
Durante
a Segunda Guerra Mundial, ofereceu-se como enfermeira voluntária.
Faleceu
em 1944, durante um bombardeio aliado em Florença, enquanto tentava proteger
suas joias.
Lina Cavalieri foi uma das celebridades mais fotografadas de sua época e é frequentemente lembrada como um ícone de beleza da Belle Époque.
O artista italiano Piero Fornasetti utilizou o rosto de Lina Cavalieri como um motivo recorrente em suas obras de arte.
Em 1955, a atriz Gina Lollobrigida interpretou Lina Cavalieri no filme "A Mulher Mais Bonita do Mundo".
Desde jovem, Lina demonstrou uma forte independência ao criar seu filho sozinha e ao buscar sua carreira artística contra as convenções da época. Sua decisão de deixar o teatro no auge para se reinventar como empresária também reflete sua determinação.
Relatos da época descrevem Lina como possuidora de um carisma inegável, tanto nos palcos quanto na vida pessoal. Sua beleza era inegável, mas era combinada com uma vivacidade e uma presença que cativavam a todos.
Lina tinha consciência de sua beleza e a utilizava, mas não se limitava a ela. Sua incursão no mundo dos cosméticos e seu livro sobre segredos de beleza demonstram uma compreensão de seu apelo e uma vontade de compartilhar seus conhecimentos.
Seu testamento, destinando recursos para jovens aspirantes à música, revela um lado generoso e uma memória de suas próprias dificuldades iniciais.
Lina Cavalieri personificou o ideal de beleza da Belle Époque, uma era de otimismo, elegância e florescimento artístico. Seu rosto e sua figura eram amplamente divulgados em cartões postais, revistas e anúncios, tornando-se um padrão de beleza da época.
Sua beleza e estilo influenciavam a moda feminina. Penteados, vestidos e acessórios eram inspirados em suas aparições públicas e em seus papéis no palco. Além de D'Annunzio, outros artistas e escritores encontraram inspiração em sua figura. Sua beleza e sua história de vida alimentaram a imaginação de muitos.
Ao transitar entre a ópera, o cinema e o mundo dos negócios, Lina demonstrou uma versatilidade incomum para a época, abrindo caminho para outras artistas explorarem diferentes facetas de suas carreiras.
O apelido "Vênus na Terra": A famosa definição de D'Annunzio solidificou sua imagem como a encarnação da beleza clássica.
O fato de a maioria de seus filmes ser considerada perdida é lamentável, pois priva-nos de testemunhar sua atuação em outra mídia.
Morrer em um bombardeio, ironicamente em um período de grande conflito mundial que contrastava com a beleza e a elegância de sua época, adiciona uma camada trágica à sua história.
A obsessão do artista Piero Fornasetti com o rosto de Lina Cavalieri, utilizando-o em centenas de variações em suas obras, demonstra o poder duradouro de sua imagem. Para Fornasetti, o rosto de Lina era "o arquétipo da beleza clássica, enigmática e atemporal".
Lina Cavalieri foi uma figura complexa e multifacetada, que transcendeu a sua beleza física para se tornar um símbolo de sua época, uma artista talentosa e uma mulher de forte personalidade. Sua história continua a fascinar, oferecendo insights sobre a Belle Époque, o mundo do entretenimento no início do século XX e a vida de uma mulher que desafiou convenções e deixou uma marca indelével na história cultural.
© Alberto Araújo