“A ETERNA AUSENTE”
Norberto Seródio Boechat
Década de 50
Oito anos.
Estrada Bom Jesus - Vargem Alegre.
Ao
voltarmos da cidade, lá estava a menina na cerca de sua casa, à espera.
Diminuíamos a velocidade para vê-la, infalível, pendurada no cercado do
quintal. Segurava-se com a mão direita e acenava a esquerda.
Loura e
branquinha. Muito bonita. Impossível saber de onde vieram as marcas arianas na
garota pobre do barraco beirando a estrada. Não entendo, também, por que em
nenhum momento paramos, por que não correspondemos num gesto o amor transmitido
ao acenar. Creio que em seu reduzido universo, a busca do momento a impregnava,
tornando-a parte de outras vidas, das
outras pessoas, do mundo que, então, se desfilava na via solitária.
Ansiava, talvez, por um afeto, um toque junto ao coração.
É
provável que fosse filha única. Nunca vimos outra criança ao redor. O que teria
sido sua vida entre adultos? Que mundo encerraria o interior da cabana? Como os
pais estariam contribuindo para o crescimento do ser que fazia daquele instante
breve de nossa passagem a eleição de um acontecimento? Ao respondermos com as
mãos, ela sorria feliz. Passávamos e, ao olharmos para trás, ainda a víamos
acenando no meio da poeira deixada pelo jipe.
Hoje,
passada tanta vida – e tão rapidamente −, pergunto-me, onde estará? Casou-se?
Teve filhos? Foi feliz? Tem um quintal cheio de netos? Morreu? Indagações que
no vácuo desse tempo consumido apertam a garganta, deixam aberta a inútil
expectativa de um vir a saber que não acontecerá... É a resposta que se espera, mas que jamais
virá...
Há muito
a casa não existe mais. A estrada, asfaltada e, por isso mesmo, inexpressiva de
lembranças, é uma reta que matou velhas curvas do caminho. A menina foi-se tal
qual o pó, tal qual aquela nuvem de poeira que termina por sobrepor-se às
cercas, cobrindo-as de amarelão pálido, triste, aguardando que a chuva venha e
lave tudo.
Não tenho
dúvida: a garotinha foi a primeira mulher de minha vida. Tão absoluta que
decididamente inesquecível. Definitiva. Jamais a tive. Nunca paramos para que
eu me permitisse o contato de gente.
Assim,
porque não a tive, sempre será indelével imagem, a eterna ausente: mão
movendo-se avidamente como a dizer, por que não parou? Passou e não ficou para
pacificar-me a vida.
***
Este
miniconto faz parte do livro "Lembranças de Escritas" do médico
geriatra e escritor Norberto Seródio Boechat, obra a sair em novembro pela Parthenon Editora,
com capa de Verônica Debellian Accetta e produção do editor Mauro Carreiro Nolasco.
NOTA ELABORADA POR DALMA NASCIMENTO
O
poema-matriz de Charles Baudelaire,1821-1867, "A une passante".
surgiu, quando na multidão ele divisou uma jovem mulher no cruzamento dos
bulevares de uma Paris do século XIX. Rápido foi o encontro, deixando-lhe,
porém, a visão de uma mulher que passa, mas que lhe ficou no pensamento.
O poeta
surrealista Robert Desnos, 1900-1945,
expressou o assunto nestas fantásticas imagens: “Tu não és a que passa,
mas a que fica, a noção de eternidade está ligada a meu amor por ti.”
Também
nosso Vinicius de Morais, 1900-1945, principalmente, nos versos finais: “Meu
Deus, eu quero, quero depressa / Eu quero-a, agora, sem mais demora / a minha
amada mulher que passa. Que fica e passa, que pacifica. / Que é tanto pura como
devassa / que boia leve como a cortiça / e tem raízes como a fumaça".
Outros
autores, com ressonâncias expressas ou subliminares, completaram o tema,
inclusive em Niterói, Sávio Soares de Sousa, nossa personalidade cultural do
ano 2013.
UM POUCO SOBRE O AUTOR
Norberto
Seródio Boechat, além de escritor e homenageado, é também médico geriatra e
gerontólogo. Com vários livros editados,
todos seus textos têm conteúdos de emocionantes lições de vida, memórias
autobiográficas. São várias experiências profissionais vivenciadas em mais de
30 anos no exercício da clínica.
Seus
textos também transfiguram histórias reais.
Intelectual renomado em nossa cidade, todos seus livros têm visões
claras e compreensivas.
Para
conhecer melhor seu trabalho literário, adquira as obras do renomado escritor
nas melhores livrarias da cidade. Veja a
relação abaixo de alguns de seus livros:
"Me dê a mão", crônicas sobre envelhecimento,
idosos e asilos;
"Memórias Natalinas", O espírito do Natal em
oitos contos;
“Estradas”, romance;
“Lembranças de Escritas”, Editora Parthenon.
Original clicar no link: https://albertaraujo.blogspot.com/.../a-eterna-ausente...
**************MENSAGEM DE ALBERTO ARAÚJO********
FICAMOS ABALADÍSSIMOS, QUANDO SOUBEMOS DO ENCANTAMENTO DO
DR. NORBERTO.
Que triste! Ainda estamos perplexos com essa triste
notícia do encantamento do Dr. Norberto Seródio Boechat. Ser humano afetuoso e
de excelência profissional. Talentoso autor, que em grandeza nas letras, era um
literato autêntico e hábil e escrever. A prova está no texto A eterna Ausente
acima publicado. Que mestria, que beleza a gente ler um texto assim.
Dos seus oito livros publicados, nós temos quatro aqui em
nossa biblioteca. Nós o conhecemos por
intermédio da professora Dalma Nascimento que nos apresentou em uma linda
manhã. Oportunidade em que nos concedeu uma entrevista para o Focus Portal
Cultural. Desde, tornamos conhecidos, fizemos inúmeros trabalhos em nossa
revista. Nessa homenagem uma releitura do seu conto A eterna Ausente.
Em 29 de junho de 2024, despertamos em horário tardio
para quem desperta todos os dias cedo. O relógio assinalava 11h. Como
habituados, não abrimos o computador, deixamos para depois do nosso café da
amanhã. Imaginem a nossa perplexidade quando acessamos ao Facebook, isso, a
especial pagina de nossa amiga Dalma. E nos deparamos com a notícia. Ao lê-la,
não acreditamos, nisso, relemos. Deus do céu era verdade, estava escrito a
informação. Perplexo, por alguns minutos ficamos. Estamos desolados,
consternados, enfim, familiares, amigos, a medicina geriátrica e a Literatura
estão em luto, perdemos um grande amigo e talentosíssimo profissional.
Desejamos com as nossas mais sinceras condolências nesse
momento de dor inimaginável aos seus familiares e amigos, especialmente, a
professora Dalma Nascimento que há conviveu com esse admirável escritor, no
lado afetivo, um incrível amigo, de coração bondoso.
Não há dor maior do que ter de dizer adeus aos que
amamos. Nem há saudade tão eterna como aquela que nasce com o luto. Por isso,
nós que ficamos, vamos orar para a sua alma e, certamente, pedirmos Deus para
que o guarde em seu coração divino, o lugar de um homem de bem.
Lamentamos muito essa enorme perda. Que todos os
familiares, em especial a amiga Dalma Nascimento. Que todos possam encontrar
paz e consolo nesse momento tão difícil. Fica aqui nossa homenagem a essa
pessoa incrível. Aos familiares e amigos, recebam as nossas sinceras
condolências.
Alberto Araújo
Focus Portal Cultural
28 de junho de 2024. Data do Falecimento do Dr. Norberto.
Professora Dalma, estamos desolados, consternados mesmo
com o encantamento do Dr. Norberto, um excelente amigo, que era um competente
profissional. No lado da medicina e da Literatura brilhou! Uma glória e uma
dádiva divina em termos compartilhado de sua amizade. Amiga, Não
existe dor maior do que ter de dizer adeus aos que amamos.
Nenhuma família e amigos merecem conhecer uma tristeza assim,
mas as leis da vida não remitem, temos que passar por esse momento. Chega uma hora em que a despedida tem de ser
concretizada, em que a saudade começa a ganhar forma. Na vida: a mudança é
inevitável; a perda é irremediável; O luto é dolorido, e cada um que vive esse
momento é que saberá como passar por esse processo! Imaginamos a dor que vocês
estão passando. Os nossos sentimentos, amiga, pelo falecimento do seu grande
amigo. Que Papai do Céu possa confortá-la, bem como os demais familiares do Dr.
Norberto.
Alberto Araújo.